Se até as Forças Armadas estão envolvidas na polêmica sobre as urnas eletrônicas, isso não vai terminar bem
Após Luís Roberto Barroso dizer que militares são orientados pelo governo a desacreditar processo eleitoral, ministro da Defesa deu resposta dura e chamou magistrado de ‘irresponsável’
Isso não vai terminar bem. O problema das urnas eletrônicas se torna maior a cada dia. Quando até as Forças Armadas se deixam levar por esse clima de futricas, as coisas estão mesmo complicadas. Até as Forças Armadas. Aí já é demais. E o presidente da República, Jair Bolsonaro, endossa tudo, dizendo que vai levar o assunto para sua campanha eleitoral e que os militares farão uma apuração paralela dos votos. Na verdade, o presidente trata desse assunto com um certo deboche. Ele quer ver o circo pegar fogo. Nesta quinta-feira, 29, os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, deram entrevistas e se manifestaram pelas redes sociais com uma crítica velada ao presidente, observando que acreditam na eficiência das urnas eletrônicas e que nunca houve nada que provasse o contrário. Bolsonaro não gostou. Mas está como ele deseja. O assunto está na pauta. Todo mundo discutindo. Mas até as Forças Armadas? Isso não vai terminar bem.
O clima está cada vez tenso no país. Isso se nota em cada palavra dos políticos que aí estão tentando explicar o cenário, que cada vez mais despenca para o abismo. Depois do perdão do presidente Jair Bolsonaro ao deputado federal Daniel Silveira, que fez graves ameaças aos ministros do Supremo Tribunal Federal e ao Congresso, e consequentemente à democracia, o ambiente tropical ficou pior. Bolsonaro deu um nó no STF que, aliás, estava por merecer. As celebridades de toga fazem o que bem entendem neste país. Um tribunal partidarizado, que chegou ao disparate de anular todas as condenações do ex-presidiário Lula da Silva, preso por corrupção. Foi um acinte ao Brasil. O Supremo tem muita culpa de o país ter perdido o rumo. E para complicar ainda mais, há o problema ainda não resolvido das urnas eletrônicas.
O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, afirma que as Forças Armadas estão sendo orientadas pelo governo Bolsonaro para atacar o processo eleitoral. Barroso diz que o Brasil vê de perto e testemunha a ascensão do populismo autoritário, lembrando o desfile de tanques na Esplanada do Ministério, quando Bolsonaro detonou as urnas eletrônicas. Para quem não lembra, é aquele desfile em que saía fumaça de um dos tanques, revelando ser um equipamento caindo aos pedaços. Com tanque saindo fumaça ou não, Luís Roberto Barroso assinalou que aquele episódio grotesco representou um ato de intimidação.
O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, respondeu a Barroso. E o fez por meio de uma nota oficial. Uma resposta dura, chamando a manifestação de Barroso de irresponsável, observando que essa acusação representa uma ofensa grave. Em outras palavras, o ministro da Defesa tem afirmado: “Cala a boca, Barroso!”. Uma nota do Ministério da Defesa se resume nessas palavras. Evidentemente que esse episódio não vai terminar aí. Claro que não. O ministro da Defesa afirmou que as Forças Armadas têm ampla confiança da sociedade, com uma dedicação de séculos em favor da pátria e ao povo brasileiro. O ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, general Luiz Eduardo Ramos, também entrou nessa ciranda de intrigas, dizendo que os militares que prezam pela democracia estão sempre vigilantes. Observou que defender a soberania nacional é um dever das Forças Armadas. “Eleições democráticas transparentes fazem de nós um país soberano”, diz.
Já que o país está mesmo pegando fogo, Barroso contribui para que a fogueira fique maior e que se queime tudo de uma vez. Aliás, muita gente deseja esse incêndio. O ministro do STF alertou que existe no país uma tentativa de levar as Forças Armadas ao que ele chama de “varejo da política”. Observou ser importante que os comandantes evitem essa contaminação, garantindo que esses chefes das Forças Armadas estão sendo convidados e orientados a atacar e desacreditar o processo de votação. Barroso lembrou que, em 33 anos de redemocratização, as Forças Armadas recuperaram seu prestígio, mas agora estão sendo politizadas, passando a ser mais uma grande preocupação para o Brasil.
De qualquer maneira, Barroso disse que alimenta firme expectativa de que os militares não se deixarão seduzir. Até agora o respeito à Constituição tem prevalecido “nesse universo da fogueira das paixões políticas”. O magistrado lembrou que os militares que serviam o governo Bolsonaro e são respeitadores da Constituição foram afastados, caso dos generais Santa Cruz, Maynard Santa Rosa e Fernando Azevedo. Isso nunca havia acontecido, mas está acontecendo agora. Luís Roberto Barroso garante que esse “doutrinação” das Forças Armadas está em marcha, por ordem do governo. É mais um risco a viver neste país que não tem paz. Muito pelo contrário: cada dia é uma agonia. E o país vem seguindo aos tropeços no ano de eleição. Se é que vai mesmo fazer eleição em outubro.
Comentários
Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.