Se Sergio Moro não se cuidar, ‘donos’ do STF vão conseguir levá-lo à prisão

Julgamento sobre suspeição do ex-ministro mostrou o destempero e falta de compostura dos ministros do Supremo e representou a pá de cal na tumba da Lava Jato

  • Por Álvaro Alves de Faria
  • 24/03/2021 13h28
Rosinei Coutinho/SCO/STF Gilmar Mendes, ministro do STF Gilmar Mendes, que votou pela suspeição de Moro, criticou o voto de Kássio Nunes Marques

A sessão desta terça-feira, 23, do Supremo Tribunal Federal, foi um dos espetáculos mais deprimentes dos últimos tempos neste país já acostumado com cenas deploráveis. O STF, no fundo, é um partido político. E cada um de seus ministros tira a lasca que lhe convém. Do início ao fim, uma vergonha completa, digna dos cirquinhos mambembes da periferia, e que me desculpem os cirquinhos pela comparação. A agressividade do ministro Gilmar Mendes é algo à parte que tem que constar das atas históricas do Tribunal, tal o seu verdadeiro desespero – a expressão é essa mesmo – para expor suas ideias sem conter uma raiva que não cabe em lugar nenhum. Isso se acentuou com o voto do novo ministro Kassio Nunes Marques a favor do ex-juiz Sergio Moro, que é tratado por Gilmar Mendes com um verdadeiro bandido. Kassio Nunes desconsiderou as mensagens trocadas entre Sergio Moro e procuradores da Lava Jato obtidas criminosamente por hackers e depois divulgadas pela imprensa.

Nunes não aceitou a prova ilícita, conseguida por hackers numa história até hoje não explicada. O que se sabe é que de repente essas conversas grampeadas foram entregues a Manuela d’Ávila, então candidata a vice-presidente da República na chapa do PT com Fernando Haddad. Diante do voto contra a suspeição de Sergio Moro, Gilmar Mendes se enfureceu e perdeu de vez o porte de um ministro do Supremo Tribunal do Brasil, mal conseguindo articular as palavras de improviso, quando deixava de ler seu voto escrito. Logo a seguir ao voto de Kassio Nunes, debochadamente, Gilmar Mendes afirmou que aquilo “não tinha a ver com o garantismo nem daqui nem do Piauí”, citando o Estado do ministro. Foi uma lástima. O ministro Kassio Nunes mais parecia um estrangeiro na Corte e foi humilhado pela fala de Gilmar Mendes, que defendia a suspeição de Sergio Moro na condenação do ex-presidente Luis Inácio da Silva no caso do tríplex do Guarujá. Fora de si, Gilmar Mendes falava como se estivesse dando uma aula a Kassio Nunes. Conseguir a sentença de que Sérgio Moro foi parcial no julgamento de Lula parecia ser um ponto de honra de Gilmar Mendes. Sua oratória esmagou o ministro Kassio Nunes que, solicitando a palavra humildemente para responder, quase pediu desculpas, dizendo ser do Piauí, como se, sendo do Piauí, fosse um ser inferior. Foi humilhante. Mesmo assim, disse que gosto mais do silêncio do que falar muito, até porque se falar muito poderia ser acusado de querer ser professor de Deus.

Gilmar Mendes tratou de sair dessa situação constrangedora, dizendo “à sua Excia” Kassio Nunes Marques, que tem muitos amigos no Piauí, mas continuou, inexplicavelmente, com a mesma linguagem grosseira com palavras escolhidas contra o pobre ministro do Piauí, que demonstrou não ter como conviver naquele lugar. Foi esse o julgamento da Segunda Turma do STF, composta por Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Kassio Nunes Marques que decidiu, por 3 a 2, considerar que Sergio Moro usou de parcialidade para condenar o ex-presidente e ex-presidiário Lula da Silva. Foi um espetáculo de ódio. Principalmente ódio. Mas, o mais lamentável ainda estava por vir. O voto da ministra Cármen Lúcia, que já tinha votado em dezembro de 2018, junto com o ministro Edson Fachin, pela imparcialidade de Sérgio Moro. Mas a ministra comunicou ao Tribunal que queria votar outra vez, justificando que novos fatos ocorreram de lá para cá. Não, não era Cármen Lúcia falando no STF. Era, sim, uma senhora sem jeito, como se estivesse fora de seu ambiente, encabulada, constrangida. Havia ali naquela voz muito receio, muita dúvida, que se mostrava escancaradamente. Aquele ar de ministra que já foi presidente do Tribunal deixou de existir naquele momento. E certamente deixou de existir a partir de seu voto, que ela mudou, contra Sergio Moro. Uma vergonha.

Uma cena do teatro do absurdo desde a fala revoltada de Gilmar Mendes, que durou uma hora e quarenta minutos,  passando pela humilhação a Kassio Nunes Marques, até o voto daquela senhora franzina, lendo suas palavras sem muita convicção, até chegar no seu voto contra Sergio Moro. Seguiu-se, por fim, o voto do ministro Edson Fachin, que parecia estar falando sozinho, defendendo seu ponto de vista, como se falasse para ninguém, numa narrativa que se arrastou já como voto vencido. Uma sessão inesquecível pelo que mostrou de soberba. Muitos homens pensam que são deuses na Terra. E querem fazer valer sua força bruta a qualquer custo. E nessa contenda vale tudo, absolutamente tudo, insultos e ofensas e cada um que engula seu desaforo como quiser. Antes de tudo, o que se viu foi o destempero e falta de compostura dos donos do STF. E restou algo que está no ar. Se Sergio Moro não se cuidar, eles vão conseguir levá-lo para uma prisão. Exatamente Sergio Moro que teve coragem de enfrentar os corruptos poderosos do Brasil e chegou a prender um ex-presidente da República por corrupção. Fica disso tudo o seguinte: Não vale a pena lutar por um país melhor, que se orgulhe de si mesmo. Não vale a pena. A sessão do STF representou, na verdade, a pá de cal na tumba da Lava Jato. Acabou, para o regozijo dos corruptos do Brasil, que sempre são os vencedores.

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