Tiradentes morreu há mais de 200 anos, mas seus tetranetos querem pensão do governo
Justiça negou recurso que pedia um benefício especial a seis descendentes de Joaquim José da Silva Xavier, herói da Inconfidência Mineira
A vida está difícil para todo mundo. Não, para todo mundo, não. Tem gente que está bem, fazendo festa para si mesma. Tem até brigadeiro e doce de leite de Minas. Tem de tudo. E, nesse clima, a Justiça negou recurso que pedia uma pensão especial a seis tetranetos de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Eles argumentaram que outros familiares, com o mesmo grau de parentesco, recebem uma pensão de R$ 200. A decisão partiu do Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF-1) de Brasília. Na ação, os seis descendentes de Tiradentes citaram quatro leis sancionadas em 1969, 1985, 1988 e 1996, que concederam pensão especial vitalícia à quinta geração da família do herói mineiro. Lembraram, também, a Lei 4.897/65, que reconhece “a condição de beneficiários descendentes do vulto histórico personagem da Inconfidência Mineira, reconhecido como Patrono Cívico da Nação Brasileira”. Então, os seis tetranetos requisitaram o benefício, alegando tratamento igual. Mas a Justiça disse “não”. Aliás, a primeira instância da Justiça Federal de Minas Gerais já havia negado o mesmo pedido em 2013. E o entendimento foi mantido em segunda instância.
Chega a ser inacreditável a discussão sobre o assunto e a insistência dos tetranetos, com a palavra de juízes quase incompreensível para o pobres mortais, que somos nós. E o pobre do Tiradentes, morto em 1792, enforcado publicamente, nem sabe dessas histórias, tanto tempo depois. Nem mesmo ele, o símbolo da Inconfidência Mineira, tem direito à paz. Seu corpo foi esquartejado e espalhado em diversas regiões de Minas. Com a proclamação da República, em 1889, Tiradentes se tornou herói nacional. E o dia de sua morte, 21 de abril, passou a ser feriado nacional. Bem, isto aqui não é uma aula de história. Essas coisas hilariantes ainda ocorrem no Brasil. Os seis tetranetos são insistentes. Já entraram com novo recurso para receber a pensão a que julgam ter direito. Nem vamos entrar nesse detalhe, mas isso tudo revela uma pobreza de espírito que vai além do que se pode imaginar. Só falta Tiradentes aparecer vivo em algum lugar do país para se pronunciar a respeito e resolver essa questão fundamental para a vida brasileira, cheia de atropelos de toda ordem. E agora mais esse, que remete a 1792, envolvendo descendentes que vivem no século 21. No fundo, falta um pouco de vergonha, de hombridade, de sensatez e qualquer outra coisa que o valha.
O professor do departamento de história da Universidade de Minas Gerais, Luiz Villata, pesquisa a vida de Joaquim José da Silva Xavier há mais de 40 anos. O biógrafo diz que Tiradentes foi um homem namorador, teimoso, corajoso, apaixonado por livros e defensor do conhecimento. Observa que muitos no Brasil desejam que o inconfidente seja considerado um santo, mas ele foi um homem sem nada de celestial ou divino. Numa de suas publicações, Villata afirma algo que nos diz respeito até hoje ou, melhor dizendo, especialmente hoje, o que uso aqui entre aspas: “Entre os legados deixados pela Inconfidência Mineira estão as falhas permanentes de nosso Poder Judiciário, desde aquela época notabilizado por produzir injustiças”.
Sabe-se que vários trinetos recebem o benefício “Bolsa Tiradentes”, como ficou conhecido, uma criação da ditadura militar (o texto surgiu depois da edição do AI-5, que fechou o Brasil). Após o “Bolsa Tiradentes”, surgiram vários descendentes do herói nacional, mas a pensão parou nos trinetos. Existem hoje mais de 200 parentes de Joaquim José, a maior parte gente muito pobre que vive no interior de Minas Gerais — e muitos nem sabem disso. Não é o caso dos seis tetranetos que tentaram a pensão, novamente negada pela Justiça. Se o Brasil não existisse, teria de ser inventado. No fim da história, a Justiça não tem condições de resolver questões como essa. A competência é do presidente da República, só em situações especiais, como prevê o artigo 84 da Constituição Federal. As histórias brasileiras são muitas. E se multiplicam. Esta não teve um final feliz. Por enquanto.
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