Augusto Nunes: Assim como Dilma, Toffoli desconhece Nelson Rodrigues
Há alguns anos, em entrevista no Roda Viva com a critica de teatro Barbara Heliodora, a maior especialista em Shakespeare da historia do Brasil, eu fiz uma contatação e uma pergunta.
A constatação: Shakespeare, quase 500 anos depois da sua morte, continua sendo visto e aplaudido por plateias que consideram perfeitamente contemporâneas as peças que escreveu.
A pergunta: Quem seria, algum brasileiro, na opinião da Barbara, que poderia repetir esse fenômeno protagonizado pelo Shakespeare? Ela respondeu: Nelson Rodrigues, com algumas peças.
Só por essa resposta, Nelson Rodrigues já é um patrimônio nacional. Mas ele também foi um grande cronista, além de grande dramaturgo, e tinha uma coluna de jornal que fazia muito sucesso. Para sobreviver 500 anos, ele precisa primeiro enfrentar os brasileiros que maltratam o patrimônio da nossa inteligencia.
A primeira a torturar Nelson Rodrigues foi Dilma Rousseff. Ela cismou, durante seu Governo, em usar para qualquer coisa a expressão – criada por Rodrigues – “complexo de vira-lata”. Vou explicar como isso aconteceu.
Em 1950, quando perdeu a final da Copa para o Uruguai, os torcedores brasileiros passaram a ser absurdamente pessimistas com o desempenho da Seleção Brasileira. Achavam que iam perder todas e estavam condenados a jamais ganhar uma Copa do Mundo.
Isso acabou em 1958, quando o Brasil ganhou na Suécia. Passou pela Itália, amistosos e fez uma campanha espetacular – foi quando surgiu para o mundo a dupla Garrincha e Pelé.
A Dilma nunca soube que essa expressão teve um prazo de validade: ela surgiu em 1950 e acabou de 1958. Nelson Rodrigues aplicava isso a maneira ao qual o brasileiro vê o futebol. A Dilma usava para tudo.
Esqueceram Nelson Rodrigues – para a sorte do grande cronista. Até que, ontem, foi exumado da maneira mais torpe pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli.
Antes, uma observação: quando você diz que vai fazer uma citação de alguém, você vai pensar em uma frase ou verso que alguém fez. E aí, diz Dias Toffoli. “Vou fazer uma citação de Nelson Rodrigues: A Vida Como Ela É.”
Ninguém entendeu. Aliás, pouca gente entendeu o voto todo – lido durante quatro horas por ele.
“A Vida Como Ela É” foi o título da coluna que Nelson Rodrigues manteve durante anos na Última Hora. Era título – e título não é citação. Foi também um nome de um livro, que reuniu crônicas de Rodrigues. Livro não é citação.
Então, o Toffoli não sabe sequer fazer essa distinção. Está explicado porque o atual presidente do STF foi reprovado duas vezes no concurso para ingresso na magistratura paulista.
Comentários
Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.