Barro, lona e bambu cobrem as 8 mil famílias da nova favela de São Paulo
Macarena Soto.
São Paulo, 16 jan (EFE).- Uma lona preta de dois metros de comprimento por um e meio de largura cobre uma frágil estrutura de bambu e, sob ela, Sheila abriga seus dois filhos enquanto alisa a barriga que espera o terceiro: essa é uma das oito mil famílias que há quase dois meses compõem a favela Nova Palestina.
Apoiadas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), essas famílias foram formando o acampamento ilegal no sul da capital paulista, onde está prevista a construção de um parque.
Sheila Parifida tem apenas 25 anos e é casada com Paulo, garçom, que fornece os únicos R$ 500 que entram na economia familiar no fim do mês e que não são suficientes para comprar os remédios de Wendel, de um ano e meio, que nasceu com apenas um rim.
“Só o remédio do meu filho pequeno custa R$ 800 e uma caixa dura dez dias”, conta Sheila, cuja “única preocupação” é a saúde de seus filhos, o que, em sua opinião, “não está garantido vivendo nessas condições”.
Segundo constatou a Agência Efe, muitas barracas erguidas já foram arrasadas pelas fortes chuvas de verão que estão caindo nas tardes de São Paulo e que transformam o chão onde dormem em um escorregadio e úmido barro, ninho de insetos e animais peçonhentos e sujeira.
Cláudia Lourenço, do MTST, aponta para uma mata verde do outro lado da estrada e exasperada justifica: “Têm um parque do tamanho de Ibirapuera aí na frente, nós só queremos um lugar onde viver, o terreno está há 40 anos sem uso e agora querem nos tirar”.
“É a vida do oprimido”, queixa-se Cláudia, que analisa que “primeiro vem a casa, depois a saúde que é consequência dela e, depois, a educação”. “É um processo longo”, desabafa.
Ontem – como em todos os dias – o cardápio foi arroz, feijão e carne seca na cozinha comunitária da rua 21, de cerca de 12 metros quadrados delimitados por tábuas pintadas de rosa, na qual há uma fornalha e um aparelho de música.
“São alimentos que os próprios habitantes doam, a cada dia uma família cozinha e serve os outros moradores”, explica à Agência Efe Lázaro Santos, coordenador da rua 21, operário voluntário.
Como o resto de seus habitantes, Santos considera que a melhor opção na zona, é a construção de um prédio para poder acolher todas as famílias: “o terreno – de 1 milhão e meio de metros quadrados – é pequeno para tanta casa”.
Para o banho há duas opções: uma é tomar água do banheiro comunitário que pagaram entre todos – “(Fernando) Haddad (prefeito de São Paulo) nos prometeu um e um sistema de água, mas continuamos esperando”, contam – e a outra, caminhar uma hora até chegar a uma cascata.
A luz, “pouca”, segundo os moradores, é obtida, como em quase todas as favelas, através de “gatos” que eles mesmos fizeram na fiação.
Apesar das condições, quatro mil pessoas estão na lista de espera para entrar e viver em Nova Palestina, cujo nome foi eleito na assembleia que os habitantes, que se autodenominam já “família”, realizam a cada dia às 19h em um barraco com bancos improvisados de caixas de madeira.
Enquanto isso, a Prefeitura de São Paulo alega que a zona ocupada pelo MTST é uma “área de proteção ambiental” e, segundo afirma, “o próprio movimento reconhece que no terreno ocupado só caberiam mil famílias”.
Além disso, fontes da prefeitura informaram à Efe que “não se iniciaram as conversas com os proprietários para o futuro processo de desapropriação do terreno para a implantação do parque porque não existem recursos disponíveis”.
No entanto, os habitantes da Nova Palestina insistem em seu direito a uma casa digna e se queixam que os recursos da cidade se destinem a outros fins.
“Para a Copa eles têm dinheiro, para esses ônibus novos e modernos, mas para nós… nada”, ouvia-se nos círculos que se formam em cada rua, a cada esquina, onde se reúnem, criticam e lamentam esses sem-teto que já chamam a nova favela de “lar”. EFE
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