O caso Paulo Guedes e a offshore (ou como se fabrica um escândalo)

Política é guerra, e um recurso costumeiro é a desmoralização das tropas adversárias; o truque é descarado: associar o adversário político a um termo de conotações variadas

  • Por Bruna Torlay*
  • 08/10/2021 08h00
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Wilson Dias/Agência Brasil Ministro da Economia em evento público O ministro da Economia, Paulo Guedes, foi apontado como sócio de empresa em paraíso fiscal

Como a história ensina – e a vida joga em nossa cara –, política é guerra, e um recurso costumeiro dessa arte é a desmoralização das tropas adversárias. Na arena da palavra, onde a pena mais arguta perfura com força maior, fabricar escândalos criando histórias da carochinha é tarefa corriqueira. O nome da coisa, aliás, é “narrativa”. O recente caso em torno da empresa offshore do ministro da Economia, Paulo Guedes, é um exemplo para lá de didático com relação ao funcionamento dessa tática. Offshores situadas em paraísos fiscais são frequentemente utilizadas para se lavar dinheiro (afinal, regras rígidas quanto a sigilo bancário ajudam quem deseja ocultar a origem de somas vultosas). No imaginário de um povo acossado há duas décadas por escândalos de corrupção sem precedentes, o termo sozinho já faz pensar em ilegalidades. O truque é bem descarado: associar o alvo da granada, ou adversário político, a um termo de conotações variadas, entre as quais àquela associada a “atividade ilegal”.

Exemplos passados, suposições vaporosas e palavras bonitas acabam por emoldurar o retrato da mentira de utilidade calculada. E as “deduções” maliciosas da história ficam por conta da criatividade da infantaria armada: redações repletas de militantes fantasiados de jornalistas. Por uma espécie de osmose, a produção original se replica em notas por toda a parte, enquanto a especulação corre solta pelos palpiteiros de plantão. Está feito o estrago: resta à vítima do bombardeio começar a se explicar, enquanto os autores do ataque ganham tempo para criar o próximo “escândalo” a alimentar a guerra.

Parte significativa das notas e matérias que lemos diariamente contém elementos das granadas verbais que hoje designamos “narrativas”, razão pela qual raramente há chance de se analisar notícias reais ou descrições de fatos livres desses enxertos absurdos, mas criados para levantar suspeitas e manter o público distraído de seja lá que nota o adversário queira informar. Mantém a vantagem quem for mais capaz de manter o público distraído em seu interesse. E está aí a razão da insistência do próprio Jair Bolsonaro em povoar, à sua maneira, o cenário de escândalos, ou algo parecido. Não é difícil manter a frieza e conter emoções quando olhamos para o embate de palavras (com função de granadas, bombardeios, cercos e recuos) no cenário político tal como se analisa o mapa de antigas batalhas entre adversários que disputaram o mesmo alvo. O nome do objetivo comum de nosso aqui e agora é “Presidência da República”, e quem não souber armar discursos explosivos aptos a cativar as atenções da audiência em seu favor, insistindo em que “discursos propositivos” realmente são a essência da política, que se resigne em ficar para trás.

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*Bruna Torlay estreia nesta sexta-feira, 8, a sua coluna no portal da Jovem Pan. Torlay é professora de filosofia, estudiosa de história da cultura e comentarista de política da TV Jovem Pan.

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