Peripécia formal do STF anula condenação de Sérgio Cabral

O problema não é que um governador enriqueça metendo a mão em secretarias distintas, mas que o mesmo juiz ouse investigar uma quando já estava envolvido com a investigação de outra

  • Por Bruna Torlay
  • 10/12/2021 09h00
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Renato Araújo/Agência Brasil Renato Araujo/ABr De peripécia formal em peripécia formal, condenar adversários inocentes e libertar aliados culpados torna-se cada vez mais corriqueiro

Após a curiosa “descondenação” do ex-presidente e ex-presidiário Luiz Inácio da Silva, o seu velho aliado Sérgio Cabral é tocado pela benevolência de alguns magistrados para com criminosos que se consagraram também como lideranças políticas. O motivo é esnobe, quer dizer, nobre: ao que tudo indica, o juiz Bretas, responsável pela condenação, não era competente para julgar o caso e as ações penais associadas à investigação. Afinal de contas, como a Lava Jato no Rio teve início investigando corrupção na Secretaria de Obras, não haveria cabimento, segundo os argutos ministros do STF, o mesmo juiz da operação se aplicar a casos versando crimes na Saúde, ou seja, em secretaria de governo distinta.

Ninguém disse que Cabral é inocente. Ninguém defendeu que o juiz tenha feito uma condenação absurda baseada em provas insuficientes. Ninguém supôs que crimes em secretarias de governo distintas não possam implicar um mesmo governador. Nada disso. Sejamos claros: o ex-governador condenado por corrupção Sérgio Cabral, apesar de claramente culpado, teve sua sentença anulada porque o mesmo juiz emitiu sentenças sobre investigações de corrupção em secretarias diferentes – Obras e Saúde. Burocracia importa. O fato material chamado “crime”, por outro lado, é uma bagatela, uma vez ferido o princípio supremo da burocracia. Essa foi a peripécia formal por meio da qual ministros do Supremo Tribunal Federal livraram a cara de mais um bandido de colarinho branco que assaltou os bolsos do contribuinte brasileiro.

O Rio vai mal. Como se não bastassem todos os problemas de saneamento, agora enfrenta uma epidemia da H1N1. Tanto Saúde quanto Infraestrutura são secretarias, em nível municipal, estadual ou nacional, altamente cobiçadas pelos trambiqueiros de plantão. A margem para desvios de recursos é altíssima. Não por acaso, Cabral tinha os pés nas duas. Os ministros do Supremo não são, é claro, contrários a que se condene um bandido de colarinho branco por ter desviado recursos de uma população que já se viu às voltas com água suja nas torneiras ligadas à rede municipal. Claro que não. Basta que juízes diferentes cuidem cada qual de uma secretaria. O problema não é que um governador enriqueça metendo a mão em secretarias distintas, mas que o mesmo juiz ouse investigar uma quando já estava envolvido com a investigação de outra.

De peripécia formal em peripécia formal, condenar adversários inocentes e libertar aliados culpados torna-se cada vez mais corriqueiro. No dia em que o recurso a peripécias jurídicas para a distribuição não-equânime da injustiça virar crime, talvez sejamos obrigados a abrir mão de nossa adorável, criativa e caridosa Suprema Corte. Last but not least: Kassio Lagosta Nunes votou de rostinho colado com o velho de guerra da soltura sistemática Gilmar Mendes – prova de que a lealdade é um valor levado a sério pelo Centrão, padrinho da (sacrificial) primeira indicação de Bolsonaro ao STF.

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