EUA, Unesco e a doutrina da retirada
Elogiar Donald Trump não faz parte do meu patrimônio histórico e não vou chegar ao ponto de endossar a decisão radical dos EUA de cair fora da Unesco, anunciada na quinta-feira. No entanto, admito a lógica e acredito que uma punição da Unesco seja necessária.
O gesto radical serve para evidenciar os gravíssimos defeitos no modo de operação da organização encarregada de cultura, promoção educacional, ciência e preservação arqueológica, baseada em Paris. E, de fato, Washington tem razão em apontar uma falha estrutural na Unesco: sua contínua atitude anti-Israel. Aliás, horas depois da decisão americana, Israel anunciou que está fazendo o mesmo.
Jonathan Marcus, o veterano correspondente diplomático da BBC de Londres resume bem a situação. Existe uma obsessão da Unesco para condenar Israel por suas atividades em Jerusalém e na Cisjordânia, inclusive ignorando a história judaica.
E no começo do ano foi uma afronta a designação da cidade bíblica de Hebron, na Cisjordânia, como patrimônio histórico palestino, simplesmente negando a sua história judaica. Como bem disse o embaixador israelense na ONU, Danny Danon, existe um preço pela “discriminação” de Israel.
Ademais, a Unesco é um alvo fácil para o pendor de Trump para renegar organismos multilaterais em nome de sua política de America First. A ironia, claro, é que a Unesco faz parte da arquitetura global que os EUA ajudaram a construir depois da Segunda Guerra Mundial. A obra de Trump é a sua destruição.
Existe um histórico de tensões entre os EUA e a Unesco. Em 1984, já ocorrera a retirada americana da organização, quando o governo Reagan a acusou de servir aos interesses da então União Soviética. A reintegração ocorreu em 2003, mas desde 2011 Washington congelou os fundos, que acumulam quase US$ 500 milhões, pela decisão da Unesco de acolher a Palestina.
A retirada americana da Unesco terá efeito em dezembro de 2018 e o desengajamento não será completo, pois haverá o status de não-membro na condição de estado observador.
Washington também revê seu compromisso com o Conselho para Direitos Humanos da ONU, outra entidade que tem Israel como saco de pancadas.
Reitero que preferiria que os EUA permanecessem em organizações multilaterais, mas abusos resultam em punições. O preço é Washington abdicar de liderança global, ofertando cada vez mais espaço para a China, como aconteceu com a retirada americana do acordo climático de Paris e do tratado comercial transpacífico.
Como diz Richard Haass, presidente do Conselho de Relações Externas, Trump finalmente tem uma doutrina, a Doutrina da Retirada.
Comentários
Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.