Exploração infantil vira prática comum nos campos de algodão da Índia

  • Por Agencia EFE
  • 09/08/2014 06h21
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Moncho Torres.

Hisar (Índia), 9 ago (EFE).- Sima tem seis anos e cerca de um metro de altura, mas isso não impede que, da mesma forma que outras milhares de crianças indianas, vá aos campos de algodão para trabalhar sete dias por semana em jornadas de dez horas.

Em setembro, Sima abandonará mais uma vez a pequena casa na qual vive com seus pais e três de suas irmãs no povoado de Balawas, no distrito de Hisar, no estado de Haryana, e percorrerá centenas de quilômetros com toda sua família para trabalhar em regiões mais ao sul, como Gujarat e Rajastão.

“Vamos durante dois meses aos campos de algodão e depois voltamos. As meninas perdem as aulas, mas o estômago nos obriga a ir. Se tivéssemos trabalho aqui, ficaríamos, mas não há”, explica à Agência Efe Murti, a mãe de Sima, com um bebê nos braços.

Murti tem 40 anos e seu marido 45, e apesar de já ter cinco filhas, ainda tentam engravidar de um homem, a única maneira que possuem de assegurar que alguém faça a função deles quando forem idosos, como é tradição na Índia.

Além disso, a “desgraça” de ambos por ter apenas mulheres se acentua quando fazem contas dos dotes que deverão pagar para casá-las, quantias que chegam, segundo seus próprios cálculos, a cerca de 300 mil rúpias por cabeça (cerca de R$ 10 mil), uma fortuna.

Os dois meses de coleta de algodão, os mais produtivos do ano, os garantem renda de cerca de 35 mil rúpias (R$ 1.500).

“Estas famílias emigram aos campos de algodão porque não possuem terras. As crianças têm um papel fundamental, porque sem elas uma família de cinco membros colheria cerca de 25 quilogramas ao dia, algo que aumenta para cerca de 100 quilogramas com sua ajuda”, afirma à Agência Efe Preetesh Kumar, da ONG Save the Children, que tenta buscar alternativas para que os pais não tenham que enviar os filhos ao campo.

Dos aproximadamente 12,6 milhões de menores que trabalham na Índia, segundo dados oficiais do governo (algumas organizações elevam esse número a 60 milhões), cerca de 400 mil estão nos campos de algodão, de acordo com o relatório “Algodão sujo”, da organização Marcha Global Contra o Trabalho Infantil.

A Índia é o segundo produtor de algodão do mundo, depois da China, com um cultivo no período 2013-14 de 37 milhões de fardos (170 quilogramas cada um), o que representou, segundo dados do Ministério de Comércio, 4% do PIB do país e 12% de suas exportações.

A família de Kago – uma mãe que fugiu há dez anos de um marido alcoólatra que lhe batia – é outra das que colabora durante dois meses por ano na coleta do conhecido como “ouro branco”.

Com uma filha de 17 anos e dois filhos de 15 e 13 anos, Kago assegura à Efe no quarto repleto de “charpois” (uma espécie de colchão típico indiano) que tem como casa, que não tem outra alternativa a não ser emigrar, pois, ao não possuir terras nem documentos oficiais – seu marido não quer devolvê-los -, é muito complicado achar outro modo de subsistência.

Embora entre as famílias consultadas no distrito de Hisar todas se ocupavam da coleta de algodão, as crianças costumam estar envolvidas também em outras fases do processo de cultivo, como a semeadura, a polinização manual do algodão transgênico e o processado têxtil nas fábricas.

Entre as crianças que trabalham nos cultivos de algodão, as meninas que não chegaram à puberdade são as mais solicitadas, pois, segundo a percepção dos granjeiros, recebem um salário mais reduzido, “nunca protestam” e trazem boa sorte, segundo a Marcha Global.

Além disso, os menores possuem uma qualidade que os torna especiais em relação aos adultos: seus “dedos ligeiros”, fundamentais, de acordo com os proprietários dos campos de algodão, na hora de polinizar manualmente as plantas transgênicas.

Os finos dedos de Reja, de dez anos, se dedicam apenas à coleta, e embora “não reúna muito”, brincam seus cinco irmãos, que se sentam junto a ela em um “charpoi” situado sob uma árvore que os protege do sol.

A família da menor chegou ao povoado de Dahima – também em Hisar – quando ela nasceu, onde levantaram sobre o solo inerte de areia e pó quatro paredes de barro como casa.

“A sorte de Reja é sua altura, porque como as plantas e ela são iguais, é mais fácil colher algodão”, detalha Nirmala, a mãe, que espera paciente que seu marido saia de prisão, onde está por matar um vizinho que os queria expulsar de casa. EFE

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