A patrulha dos falsos críticos
Crítica de declarações, opiniões, publicações ou obras de autores ou veículos nominados se faz com a citação dos trechos originais entre aspas – quando eles não são públicos e notórios, ou não possam ser encontrados facilmente com as referências apontadas – e a sua desconstrução analítica ou decomposição argumentativa, que explicam ponto a ponto, de modo objetivo, racional e lógico, os motivos do juízo negativo de valor.
Anos atrás, o advento da internet e depois das redes sociais ampliou as possibilidades do exercício público da crítica à imprensa, realizada inicialmente por autores independentes que, embora nela não tivessem espaço, tinham noção dos requisitos do debate intelectualmente honesto e precisavam demonstrar ao grande público a sensatez faltante em setores de jornais e TV, inclusive publicando seus estudos em livros.
Foi demonstrando essa sensatez – sem perder a noção de que existem erros cometidos de boa fé e repórteres competentes em veículos onde atuam editores militantes, ou vice-versa – que alguns desses autores, críticos do establishment cultural e político, conquistaram espaço na mídia impressa, em suas novas plataformas virtuais e no rádio, num momento em que a internet ainda não tinha condições de vencer sozinha.
Não se tratou de capitulação, mas da ocupação e até da criação de trincheiras das quais as vozes desses autores passaram a atingir um público ainda mais amplo e diversificado do que o de seus sites e redes, democratizando o acesso a ideias diferentes das que eram disseminadas e constrangendo pela razão e pelo sucesso – agora também internamente no mercado – os velhos setores da imprensa a corrigir seus rumos, ou naufragar.
O impeachment de Dilma Rousseff, o avanço da Lava Jato, a prisão de Lula, a compreensão da importância do liberalismo econômico e do endurecimento das leis anticrime, as derrotas do PT em 2018 e de Renan Calheiros em 2019, além de alguma cobertura não esquerdista da política americana, foram conquistas em boa parte decorrentes desse movimento de resgate da consciência crítica e do repúdio moral à corrupção, antes submersos no corporativismo ideológico dos donos do microfone.
Como acontece com todo movimento original benemérito, que produz conteúdos densos em experiência humana, artística e intelectual, o movimento antiestablishment catapultado pelo advento da internet e das redes sociais foi gerando, ao longo do período de popularização das plataformas, os emuladores de seus protagonistas.
Não se trata daqueles que amplificam as vozes do movimento original, repercutindo em todos os meios possíveis o trabalho dos críticos culturais que ocuparam ou não espaços. Os emuladores são aqueles que perpetram ataques rasos e genéricos à imprensa, sem distinguir as nuances de cada caso, e que afetam superioridade moral e intelectual, sem expor qualquer argumento sobre pontos específicos de debate.
Nos casos mais graves, esses emuladores querem prevalecer aos críticos que o antecederam e que romperam a hegemonia esquerdista, abrindo-lhes um caminho muito menos ameaçador na defesa de ideias contrárias. Na ânsia de fazer isso, esse grupo ignora toda a contribuição dos críticos ao debate público e tenta colocá-los no mesmo saco da velha imprensa desmoralizada por eles, em vez de expor erros ou fazer críticas pontuais, eventualmente até merecidas.
A incapacidade de aceitar a vigilância e a exposição de fatos incômodos sobre políticos que surfaram na onda do movimento original – e que têm o dever de prestar contas à população – gera uma infinidade de ataques histéricos, absolutamente vazios de conteúdo crítico e, com frequência, embutidos em perguntas como “O que aconteceu com você?” ou lamentos como “Esse veículo já foi melhor”, naturalmente desprovidos de qualquer estudo comparativo sobre comportamentos passados e presentes, mas facilmente resumidos a uma hashtag.
Juntam-se no coro aqueles que confundiram o movimento original em prol da livre circulação de ideias com a defesa incondicional de um grupo político e aqueles que encontraram na defesa desse grupo político um sentido para suas vidas e/ou uma chance de chamar a atenção, de conseguir uma boquinha, ou simplesmente ganhar dinheiro.
Sem contar, talvez, o pior dos tipos: aquele que grita “É guerra!”, legitimando todos os meios descaradamente cínicos, desonestos e eventualmente criminosos de ataques a adversários e vozes discordantes para chegar aos fins que julga ideais, passando a atuar como os militantes que supostamente condenava, e mais: como se a confiança do público viesse da destruição deles, não da força persuasiva das narrativas.
Quando os inimigos são o partido mais corrupto da história do país e seus militantes, naturalmente o grande público tolera, entre tantos acertos, uma margem de estupidez do lado contrário – como a desses emuladores, mais ou menos beligerantes.
Na política, porém, o problema dos estúpidos é achar que a estupidez é a razão do sucesso de seu grupo, não uma concessão circunstancial dos que lhe deram o mesmo poder que poderão retirar no futuro.
A propósito: esta não é uma crítica a alvos nominados, que adorariam ser citados para ganhar visibilidade. É a descrição dos comportamentos de falsos críticos, que todos podem reconhecer nas sessões de comentários das páginas de jornalistas, autores e veículos independentes.
(Felipe Moura Brasil, 12 de fevereiro de 2019)
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