Felipe: Juiz adverte advogado que o ameaça com Lei de Abuso de Autoridade
O juiz federal substituto Shamyl Cipriano, da 5ª Vara Federal Ambiental e Agrária da SJRO (Seção Judiciária do Estado de Rondônia), advertiu um advogado de defesa de Antônio Machajeski, após receber dele a ameaça de enquadramento na Lei de Abuso de Autoridade em caso de manutenção da prisão preventiva de seu cliente.
A Lei recentemente aprovada no Congresso Nacional prevê detenção de um a quatro anos, e multa, para “a autoridade judiciária que, dentro de prazo razoável, deixar de relaxar a prisão manifestamente ilegal” e de “substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou de conceder liberdade provisória, quando manifestamente cabível”.
Na decisão de Cipriano, assinada na terça-feira, 1º de outubro, o magistrado afirma, de início, que “o réu teve prisão decretada por indícios abordados na decisão originária relacionados à garantia ordem pública, que sequer foram referidos ou cotejados pela defesa, razão pela qual ainda subsistem”.
“Ademais, o réu se encontra foragido até o momento, o que indica que tem a intenção de se furtar à aplicação da lei penal”, continuou o juiz.
Em seguida, Cipriano rebate a ameaça de enquadramento e ainda determina o envio de ofício à OAB “para que apure a conduta do advogado” por “inépcia profissional” – embora o atual presidente da entidade, Felipe Santa Cruz, ex-candidato a vereador do Rio de Janeiro pelo PT, seja favorável à Lei de Abuso de Autoridade.
Leia este trecho da decisão:
“Com relação à referência feita pelo advogado à Lei 13.869/2019, em letras garrafais, negritadas e sublinhadas, permito-me fazer breves pontuações.
Em primeiro lugar, o advogado que profere ameaça contra um juiz para o caso de indeferir seu pedido esta promovendo um ataque contra o Estado Democrático de Direito, na medida em que criminaliza a diferença de pensamentos e quer um Poder Judiciário atuando por receio de consequências pessoais.
A vida adulta exige de todos nós (os advogados inclusos) maturidade e equilíbrio suficientes para respeitar a discordância – sem falar que o sistema brasileiro de justiça possui uma miríade de instrumentos processuais para que a divergência seja debatida em órgãos colegiados superiores.
Esse estado de coisas é a realidade de vida dos membros do Poder Judiciário, que diuturnamente veem suas decisões sendo combatidas em instâncias superiores e não raro recebem a discordância dos tribunais na forma de reformas e anulações – sem que isso impeça o imediato cumprimento com a manutenção de respeito pelas instituições do País.
Além disso, a alegação deve ser analisada com cautela por este juízo, na medida em que tem a responsabilidade de assegurar a efetiva defesa técnica ao réu, nos termos do enunciado 523 do Supremo Tribunal Federal (‘No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu’).
Causa surpresa que, ao tempo em que o advogado enuncia a presunção de inocência em favor de seu cliente, indique em sua petição que este magistrado pode ser criminalmente responsabilizado por uma lei que sequer entrou em vigor, já que ainda obedece período de vacatio legis de 120 (cento e vinte) dias.
Além disso, passa em branco na sua manifestação que os crimes criados por essa lei dependem de elementos subjetivos específicos descritos no art. 1º, §1º. Vejo com cautela e preocupação, destarte, que a defesa técnica de Antônio Machajeski no processo criminal aparentemente desconheça conceitos tão elementares ao Direito Penal como vigência, vacatio legis, irretroatividade da lei penal maléfica e dolo específico ou elemento subjetivo específico do tipo.
Por essas razões, OFICIE-SE à Ordem dos Advogados do Brasil para que apure a conduta do advogado, sob o manto do art. 34, XXIV, da Lei 8.906/94 (‘Constitui infração disciplinar: […] incidir em erros reiterados que evidenciem inépcia profissional’).
ADVIRTO o causídico peticionante que a advocacia é constitucionalmente essencial à justiça na medida em que eleva o debate processual ao nível técnico e dogmático necessário para que as decisões do Poder Judiciário possam encontrar sua legitimidade. Não faz parte desse quadro a utilização de ameaças atécnicas proferidas contra magistrados como argumento de autoridade, da mesma maneira que o advogado também não quer ter a sua profissão criminalizada.
Além disso, ADVIRTO o advogado de que suas manifestações devem gozar de caráter técnico adequado, sob pena de o réu ser considerado indefeso e o processo ter nulidade reconhecida, nos termos da jurisprudência sumulada adrede citada.”
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