Felipe Moura Brasil: A ordem no governo Bolsonaro

  • Por Felipe Moura Brasil/Jovem Pan
  • 20/05/2019 12h06
Alan Santos/Presidência da República O governo Bolsonaro não deveria usar menos as redes sociais, como se diz na imprensa, deveria é usá-las mais, mas com método diferente

Para evitar ou minimizar a exploração política de uma decisão técnica, é preciso justificá-la e explicá-la tecnicamente, antecipando-se às narrativas dos adversários com refutações preventivas. Quando se contamina a decisão técnica com arroubos ideológicos, o efeito é contrário: insufla-se a exploração política, fortalecendo a narrativa dos adversários e seu poder sobre as massas manobráveis.

Quanto maiores e mais estridentes as massas de crentes nos adversários, mais difícil se torna evitar que os primeiros se sintam ofendidos pelas críticas aos segundos, já que é humilhante admitir ter sido enganado por exploradores cínicos, que também aproveitarão para explorar as críticas como ataques a todos que aderiram a suas narrativas e que defendem bandeiras populares sob as quais escondem seus interesses.

Quando ainda se recorre (como fez o presidente Jair Bolsonaro) à crítica dos crentes chamando-os de “idiotas úteis” e “massa de manobra”, expressões teoricamente justificáveis, mas que soam agressivas para os não familiarizados com a teoria política, arrisca-se jogá-los de vez no colo dos adversários, reforçando a oposição não só à decisão técnica, mas àqueles que a tomaram direta ou indiretamente.

Em vez de divulgar vídeos didáticos sobre os limites do orçamento estabelecidos pelo governo de Dilma Rousseff assumido por Michel Temer, demonstrando a necessidade incontornável de contingenciar verbas em todos os ministérios em razão do estouro das contas públicas após anos de populismo fiscal, o governo Bolsonaro deu margem a que o contingenciamento de 3,4% do orçamento de instituições federais de ensino superior soasse e repercutisse como um corte de 30% na Educação, percentual referente às despesas discricionárias (não obrigatórias), que representam menos de 12% do total.

De quebra, o ministro Abraham Weintraub contaminou a decisão técnica com críticas à “balbúrdia” nos campi e a disciplinas de áreas humanas como filosofia e sociologia, além de ter posto em questão as pesquisas universitárias – nada disso sendo a real justificativa da medida orçamentária específica, ainda que eventualmente, apesar de genéricas, as críticas tenham base na realidade. Um vídeo para explicar o valor do bloqueio, Weintraub só gravou após a explosão da polêmica e em reação a ela.

Para um governo que enfrenta dificuldades no Congresso em aprovar suas principais propostas – a de reforma da Previdência de Paulo Guedes e o pacote anticrime de Sergio Moro – e ainda se perde em conflitos internos e virtuais, além de se vitimizar ante a investigação sobre Flávio Bolsonaro pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, erros tão primários no trato de pontos sensíveis do debate nacional só aumentam a impressão geral de desordem e primitivismo, em cima da qual adversários deitam e rolam.

O problema de falta de planejamento e inabilidade de comunicação do governo é, porém, sintoma de algo mais profundo: a incapacidade ou dificuldade de adaptação cognitiva, psicológica e comportamental de bolsonaristas, tanto no poder quanto em seu entorno, a um quadro mais complexo que o binarismo de uma guerra moral, ideológica e eleitoral contra os representantes e aliados de governos corruptos de esquerda.

Por não saber emplacar uma estratégia organizada e fundamentada de persuasão de parlamentares e da população não fanatizada, o governo com frequência recai nessa guerra já vencida eleitoralmente, dando aos derrotados a importância que perderam, como se precisasse ressuscitar inimigos abatidos – ou rotular o país como “ingovernável” – por pavor de admitir os próprios erros e responsabilidades ao lidar com novos desafios e obstáculos, para então corrigir rumos enquanto é tempo.

Não é porque há parlamentares, sindicalistas, ministros e até jornalistas avessos a colocar o país acima de seus umbigos que o governo deve anunciar medidas de qualquer jeito e depois se limitar a culpá-los pelo fracasso ou pela distorção delas, estimulando até manifestações contra esses grupos, de modo a eximir o presidente.

O governo Bolsonaro não deveria usar menos as redes sociais, como se diz na imprensa, deveria é usá-las mais, mas com método diferente das postagens e ‘lives’ dispersas e reativas: deveria explicar em vídeos didáticos e preventivos, por exemplo, “por que” e “o que” fez, está fazendo e fará, inclusive em matéria de diálogo e construção de pontes.

O presidente não precisa de um filho, autor ou marqueteiro que disseminem narrativas beligerantes contra aliados ou inimigos externos para ganhar uma eleição inexistente no fim do ano. Precisa, sim, de um líder consciente e/ou estrategista habilidoso para dar primeiramente a seu governo aquilo que Bolsonaro prometeu ao país: ordem.

* Felipe Moura Brasil é diretor de Jornalismo da Jovem Pan.

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