Felipe Moura Brasil: Facada em Bolsonaro gera distorção do debate sobre armas
Em Minas Gerais, onde Jair Bolsonaro foi esfaqueado, é proibido portar facas.
Em 2016, o governador petista Fernando Pimentel sancionou a lei 22.258, que proíbe no estado o porte de armas brancas que tenham 10 centímetros ou mais de comprimento.
O autor do projeto de lei sancionado é o deputado Cabo Júlio, do MDB (então PMDB).
A proibição das facas, portanto, não impediu o atentado com uma de faca de 25 centímetros, confirmando a tese embutida na pergunta retórica do intelectual americano Thomas Sowell: “Será que existe alguém que realmente acredita que indivíduos que estão preparados para desobedecer às leis contra o homicídio irão obedecer às leis de desarmamento?”
Marina Silva não deve ter lido Thomas Sowell.
Ela disse que “a proposta de Bolsonaro” de flexibilizar o acesso à posse de armas de fogo “não foi desmoralizada por um discurso, mas por um ato”.
“Ela não funciona”, afirmou a presidenciável da Rede.
Henrique Meirelles foi na mesma linha em sua entrevista ao Pânico, da Jovem Pan.
Mas se o projeto de lei três mil setecentos e vinte e dois, de dois mil e doze, apresentado pelo deputado Rogério Peninha, do MDB, e apoiado por Bolsonaro, já tivesse sido sancionado, o esfaqueador Adélio Bispo de Oliveira, ao que tudo indica, não teria conseguido comprar legalmente uma arma de fogo por não cumprir pré-requisitos para a posse.
De acordo com o artigo 10, itens c e d, do projeto de lei, seria necessário comprovar tanto residência fixa quanto ocupação lícita. E, como escreveu a juíza federal substituta Patrícia Alencar Teixeira de Carvalho no termo de audiência de custódia, Adélio “não possui residência fixa e ocupação lícita, constando do Auto de Prisão em Flagrante informações no sentido de que mantém endereços provisórios em diversas localidades e que não possui emprego ou ocupação que lhe garantam rendimentos lícitos”.
Outro requisito para a posse de arma é não possuir antecedentes criminais pela prática de infração penal dolosa, nas esferas estadual, federal, militar e eleitoral. Adélio já tinha passagem pela polícia: ele foi preso em 2013 por lesão corporal, como informou Flávio Santiago, major da PM de Minas Gerais. O major não detalhou se a lesão corporal foi dolosa ou culposa. Caso tenha sido dolosa, seria mais um pré-requisito não cumprido por Adélio.
Além disso, é necessário estar em pleno gozo das faculdades mentais, comprovável mediante atestado expedido por profissional habilitado. Ou seja: Adélio ainda teria de se submeter ao crivo de um psicólogo, que, em tese, também poderia recusar o atestado.
Com mais um detalhe: tudo isso seria apenas para a posse de arma de fogo. Adélio ainda teria de requerer o porte, que, curiosamente, de acordo com o inciso III do artigo 32 do projeto de lei, é vetado “onde haja aglomerações”, ou seja: é vetado em eventos como aquele ato de campanha nas ruas de Juiz de Fora onde ocorreu o atentado.
Que adversários políticos ignorem ou falseiem cinicamente as premissas de um debate como o das armas, especialmente em período eleitoral, é próprio da arena política.
Mas que jornalistas e analistas, responsáveis por legitimar as narrativas circulantes, legitimem essas narrativas simplistas e falseadas, é um desserviço ao debate público.
Argumentemos, sempre, com base nos fatos e nas leis, propostas ou pré-existentes.
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