Felipe Moura Brasil: General Mourão desperta indignação seletiva
Só 29,8% da população carcerária nos Estados Unidos cresceu com pai e mãe. O dado foi apresentado pelo PhD em sociologia na Universidade de Michigan Aleen Beck, na pesquisa de jovens em custódia, de 1987, do escritório de estatísticas da Justiça.
Não houve escândalo.
Os jovens que nunca tiveram pai no chamado agregado familiar tiveram o maior índice de encarceramento. Este outro dado foi apresentado em 2004, na tabela 3 do estudo “Ausência do Pai e Encarceramento Juvenil”, de Cynthia C. Harper, PhD da Universidade da Califórnia.
Não houve escândalo.
Fatores como maior proporção de filhos de mães adolescentes ou de famílias onde não há o pai ou a mãe presentes aumentam a criminalidade. Esta conclusão foi apresentada em estudo noticiado pela Folha em 2007, feito pelos economistas Gabriel Hartung e Samuel Pessoa, da FGV, que afirmaram que a literatura criminal já descobriu fortes evidências de que crianças nascidas de mães solteiras, criadas sem o pai ou nascidas de mães com baixa escolaridade têm mais probabilidade de se envolver em crimes.
Não houve escândalo.
“Todos conhecemos as estatísticas: crianças que crescem sem o pai têm 5 vezes mais chances de viver em pobreza, 9 vezes mais chances de abandonar a escola e 20 vezes mais chances de acabar na prisão.” Esta declaração foi dada pelo assim chamado primeiro presidente negro dos Estados Unidos, Barack Obama, em 2015.
Não houve escândalo.
Abro aspas para um relato: “As famílias brasileiras não têm pai hoje. Periferia, você vai, é só mulher em casa. Ou é ela com dois, três filhos. Ou é uma mulher de cinquenta anos, com as duas filhas, e três, quatro netos, porque elas começam a ter filhos com catorze anos. Essa é a realidade: você não acha homens nas casas. E aí você põe essas crianças num lugar violento. Violência urbana tem inúmeras causas. Três delas estão presentes sempre.”
Esse relato foi feito pelo doutor Drauzio Varella à BBC Brasil em maio deste ano e o vídeo está disponível no Youtube.
A primeira causa que ele apontou foi uma infância submetida à violência ou sem amor dos familiares. A segunda, uma adolescência sem uma estrutura familiar que imponha limites. E a terceira, a convivência com pares violentos. Varella citou as três e concluiu: “É a população de todas as periferias de todas as cidades brasileiras. Quando você analisa isso, você fala até que é um país pouco violento. Era pra ter muito mais gente nessas condições.”
Não houve escândalo.
Nesta semana, porém, o general Hamilton Mourão, vice de Jair Bolsonaro, afirmou que o narcotráfico recruta jovens de famílias pobres “sem avô e pai”.
“A partir do momento em que a família é dissociada, surgem os problemas sociais. Atacam eminentemente nas áreas carentes, onde não há pai e avô, mas sim mãe e avó. Por isso, é uma fábrica de elementos desajustados que tendem a ingressar nessas narcoquadrilhas.”
Escândalo nacional.
Em que pese a falta de cuidado verbal e político ao se expressar sobre tema delicado em período eleitoral, dando margem à afetação de indignação de adversários, à histeria da imprensa e até à sonsice de Drauzio Varella, que alegou que jamais disse e jamais diria isso, a declaração de Mourão vai na mesma linha das anteriores, não tendo, portanto, surgido do nada, ainda que todo estudo possa ser contestado por outros estudos.
É a enésima prova de que não importa o que se fala. Importa quem falou.
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