Mercado financeiro brasileiro se distancia da realidade do país

Conjuntura atual avisa que as coisas não estão boas: há mais mortes pela pandemia, há pessoas protestando nas ruas e há crise política e possivelmente hídrica

  • Por Fernanda Consorte
  • 01/06/2021 09h00
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Nelson Antoine/Estadão Conteúdo Pessoa olhando para um telão da Bolsa de Valores com números e nomes escritos Com a taxa de câmbio encerrando o pregão de ontem em R$ 5,23, há quem diga, no mercado financeiro, que estamos novamente em um bom momento no Brasil

A beleza da vida sempre esteve na relatividade. É comum se referir a coisas boas como “acima da média”. A questão é que a média é sempre móvel. Exemplo? Antes da Covid-19, a média da taxa de câmbio rodava em R$ 3,8. Hoje está lá para R$ 5,5, e com a taxa de câmbio encerrando o pregão desta segunda-feira, 31, em R$ 5,23, há quem diga, no mercado financeiro, que estamos novamente em um bom momento no Brasil. Está certo, considerando que o ser humano de mercado pensa na comparação com a média. Mas vejam só. Neste último final de semana, milhares de pessoas saíram as ruas para protestar contra o governo. Milhares de pessoas no meio de uma pandemia. Protesto popular, desde que o mundo é mundo, é considerado um ato de mudança de ciclos, ou ao menos uma tentativa disso. Esse movimento associado a pandemia já me soa desespero para mudança de ciclo. O que me sugere que, falar que estamos em um bom momento e que o mercado precifica isso, é distante da realidade.

Vi também que o mercado se prepara para IPOs (ou oferta pública de ações) que de fato são movimentos que antecedem forte recuperação econômica. Ora, se várias empresas correm às bolsas para abrir seu capital, supondo que suas ações vão valorizar, entende-se que a atividade econômica está aquecida, e que há demanda robusta e consumo. De fato, tendo a concordar que os números de atividade econômica estão muito bons. Por exemplo, o Boletim Focus mostrou revisão do Produto Interno Bruto (PIB) em 2021 para “robustos” 3,96%. Mas aí, lanço para vocês: crescer 4% após ter caído 4,5% é um espetáculo do crescimento? Fora que já se fala em terceira onda da Covid-19, e haverá efeitos na atividade econômica dessa vez? Faremos o eventual isolamento corretamente?

Outra coisa que não me parece colocada em preços de mercado ainda é a possibilidade de uma crise hídrica. Nesses últimos dias, fala-se na possibilidade de seca nos reservatórios, o que afetaria a produção de energia elétrica e, portanto, encareceria preços, pela necessidade de uso de outra fonte de geração de energia. Aumento na conta de luz não afeta somente os consumidores, mas também as fábricas que, por consequência, precisam repassar esses custos aos preços de seus produtos, o que gera ainda mais inflação. Ou ainda afeta a decisão de não usar máquinas, o que gera escassez de produtos, que afeta atividade econômica, que afeta inflação, que afeta juros, que afeta atividade econômica. Além disso, há um risco político embutido nessas decisões de aumento de preços regulados, como o de energia elétrica. Falamos em risco, em risco país e em taxa de câmbio depreciada. E tudo isso ainda não me parece considerado nos preços de mercado. Há, até o momento, algum distanciamento do mercado financeiro à conjuntura brasileira. Claro que, em comparação às incertezas de 2020, estamos melhores. Estamos melhores que a média de 2020. Cresceremos em 2021 quando houve recessão em 2020. Só isso já é melhor. Temos vacina em 2021 e tínhamos somente a doença em 2020. Mas precisamos ter cuidado em somente estarmos melhor que nossa média, em apenas relativizar a situação. Pois a conjuntura está avisando que as coisas não estão boas: há mais mortes pela pandemia, há pessoas nas ruas, há crise política. O que mais precisa acontecer?

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