Aumento no valor do seguro reduzirá a participação de médias empresas no mercado de obras públicas
Nova legislação traz efeitos indesejáveis derivados do encarecimento do custo das garantias e do incremento da demanda por contragarantias
A nova legislação de licitação e contratos públicos trouxe inovações no regime de garantias à contratação administrativa, especialmente para os contratos de obras e serviços de engenharia. Há pelo menos duas novidades relevantes que terão impacto nos riscos e custos destes contratos. A primeira é quanto à possibilidade de estipular o valor de garantia em até 30% do valor estimado do contrato, em se tratando de contratação de obras e serviços de engenharia cujo valor supere R$ 200 milhões. A legislação anterior (Lei 8.666/93) – mas ainda vigente – limita este percentual a 5%, podendo chegar a 10% em situações bem específicas. A segunda novidade é quanto à possibilidade de os editais exigirem para as contratações de obras e serviços de engenharia a modalidade de seguro-garantia com cláusula de retomada, conferindo à seguradora a possibilidade de, alternativamente ao pagamento do valor integral da apólice, responsabilizar-se pela conclusão da obra ou do serviço.
A possibilidade de a seguradora assumir a obra com vistas a conclui-la – o que se tem chamado de step-in – já estava prevista na normativa que regula o seguro-garantia (Circular 433 da SUSEP). Mas, ao que se tem notícia, ela nunca foi exercida em contratos públicos (salvo, pontualmente, em contratações voltadas ao programa “minha casa, minha vida”). A razão para isso está precisamente no limite até então prevalente para o valor garantia (ordinariamente, 5% do valor estimado do contrato). Como o step-in é uma opção da seguradora, alternativamente ao pagamento do valor integral da apólice, ele apenas faz sentido quando seus custos forem menores do que o valor do pagamento da apólice. Daí que garantias de valor muito reduzido não estimulam o step-in. Com a possibilidade de elevação do valor da garantia para até 30% do valor estimado do contrato, ampliam-se as chances da “retomada” nos casos concretos. Quanto maior o valor da garantia, maiores serão as chances de a seguradora optar pelo step-in, a depender do estágio da execução do contrato.
Daí que, a partir da nova legislação, a tendência serão garantias com valores maiores, nos casos em que isso for possível, com vistas a estimular o exercício da cláusula de retomada. Os debates ainda ao tempo da tramitação legislativa da nova lei deixaram claro o interesse do legislador em dar efetividade à possibilidade de a seguradora retomar a execução de obras inacabadas. Além disso, havia um objetivo implícito, que era trazer a seguradora para contribuir com a fiscalização da execução do contrato. Afinal, interessada em prevenir o sinistro, a seguradora estará estimulada a acompanhar a execução do contrato, inclusive em vista da possibilidade de exercer a cláusula de retomada. Chegou-se a propor durante os debates legislativos garantias no valor de 100% do valor do contrato, com inspiração na experiência norte-americana. Mas essas propostas quase sempre negligenciavam os cuidados que devemos ter na importação acrítica de soluções que funcionam bem em outros países, especialmente quando as realidades são muito distintas.
O fato é que, com os novos parâmetros, serão mais comuns garantias de valor mais elevados. Isso exigirá das seguradoras análises bastante mais acuradas ao tempo da aceitação das propostas de seguro, inclusive quanto ao conteúdo do contrato e da matriz de riscos. Como consequência, haverá o encarecimento do custo das garantias. Além disso, as exigências de contragarantias que as seguradoras costumeiramente obtêm dos tomadores também serão ampliadas. Esse comprometimento patrimonial diminuirá a capacidade dos tomadores em disputar contratações de infraestrutura, o que contribuirá para uma redução de mercado. Haverá, enfim, efeitos indesejáveis derivados do encarecimento do valor das garantias e do incremento da demanda por contragarantias, que impactarão o mercado das empresas de obras públicas, especialmente daquelas de porte médio. Por isso, é importante que a definição destes valores seja acompanhada caso a caso de análises que levem em consideração todas estas externalidades. Afinal, o benefício da segurança que valores mais elevados de seguro podem proporcionar eventualmente não compensarão os custos da redução da competitividade.
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