Fidel “traiu” Che e o “abandonou” na Bolívia, afirma jornalista cubano
Mar Centenera.
Buenos Aires, 28 abr (EFE).- “Sem contato com Manila”, anotou várias vezes Ernesto Che Guevara em seu diário antes de morrer na Bolívia. Por trás dessa frase se esconde, segundo o veterano jornalista cubano Alberto Müller, “o abandono” do líder cubano Fidel Castro ao célebre guerrilheiro argentino.
Manila era a alcunha de Fidel em Cuba, disse Müller em entrevista à Agência Efe. Ele lançará na Feira Internacional do Livro de Buenos Aires sua obra “Che Guevara: vale mais vivo do que morto”.
O título, emprestado da frase que Che Guevara teria dito quando foi descoberto na aldeia boliviana de La Higuera, contrapõe o desejo de sobrevivência do guerrilheiro às ordens dadas por Castro de evitar ser capturado vivo, e é outro exemplo das “grandes diferenças” existentes entre eles em 1967, apontou Müller.
O autor destacou que em Havana existia uma unidade guerrilheira preparada para buscar Che, mas “Fidel nunca autorizou o resgate” e o abandonou à própria sorte. Che Guevara foi fuzilado em 9 de outubro de 1967 em La Higuera.
“Morreu de forma lamentável. Sem remédios para a asma, sem botas, somente panos nos pés, sem água, sem comida e sem aliados”, afirmou Müller.
Para entender o fim do apoio de Fidel a Guevara, o jornalista leva o leitor a um ponto de inflexão, a conferência Afro-asiática, realizada em Argel em 1965.
Para ele, o discurso do guerrilheiro no encontro representou “um rompimento de Che com a União Soviética, o que prejudicou sua relação com Fidel”.
Che criticou os soviéticos, e os acusou, sem citá-los nominalmente, de serem “cúmplices da exploração imperial” dos Estados Unidos, exatamente em um momento em que Fidel buscava fechar acordos de colaboração militar com o Kremlin.
Segundo Müller, o distanciamento entre os dois cresceu com o passar do tempo, se agravou com a retirada do Congo, pactuada por Fidel pelas costas de Che e culminou com a missão à Bolívia, que o autor considera “um suicídio induzido”.
Se estivesse frente a frente com Fidel, Müller perguntaria ao comandante: “Por que a Bolívia?”.
“A posição do Che corria contra os interesses de Fidel. Ele se transformou em um obstáculo para a revolução cubana, uma pedra no sapato”, argumentou.
Como vários historiadores e biógrafos de Che consultados por ele durante a pesquisa para a elaboração do livro, o autor ressaltou que Che “queria ir à Argentina, sua terra, libertá-la, mas em Havana inventaram a Bolívia”.
Müller descobriu que Fidel tinha admitido dois anos antes que a Bolívia “não tinha condições para a guerrilha” e que os camponeses não precisavam de uma revolução porque eram proprietários das terras, graças a uma reforma agrária realizada no país.
Mesmo assim, o líder cubano enviou Che, e meses depois se afastou do Partido Comunista Boliviano, o que aumentou o isolamento dos guerrilheiros.
“Acho que Che morreu muito consciente dessa traição”, sentenciou.
O autor se mostra convencido de que, com o tempo, a história se encarregará “de separar a revolução de Che da de Fidel”, e defendeu que o primeiro era “mais puro, deu sua vida por um ideal e morreu com uma moral irrepreensível”.
Além disso, conjeturou que, se estivesse vivo, “Che estaria mais perto de madre Teresa de Calcutá do que de Fidel” e se indignaria com o que se tornou a ilha caribenha.
Müller, que hoje vive em Miami, nos Estados Unidos, disse ainda que “o povo cubano sofreu muito” no último meio século. Ele também aplaudiu a aproximação entre Raúl Castro e o presidente americano, Barack Obama.
“Parece formidável. Foram 50 anos de bloqueios e embargos sem muita justificativa. O isolamento não deveria ser nunca uma política de governo”, concluiu. EFE
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