Guardas Vermelhos arrependidos começam a desenterrar a Revolução Cultural

  • Por Agencia EFE
  • 15/01/2014 06h26
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Antonio Broto.

Pequim, 15 jan (EFE).- Após a Revolução Cultural, um dos períodos mais sangrentos da história chinesa recente, uma cortina de silêncio tentou encobrir os crimes cometidos, mas ela começa a cair 40 anos depois com testemunhos inesperados dos mesmos Guardas Vermelhos que espalharam o caos.

Autores de execuções de intelectuais, humilhações a “contra-revolucionários” e outros atos que mergulharam o país em dez anos de anarquia (1966-1976), os então jovens Guardas Vermelhos, hoje idosos, começam a protagonizar atos públicos de arrependimento que recuperam pouco a pouco um período que o governo da China tentou abafar.

O mais recente desses eventos tem sido muito divulgado porque sua protagonista, Song Binbin, foi um ícone do período, tendo participado, no que para os historiadores foi o primeiro dos muitos assassinatos a professores e, poucos dias depois, protagonizou com Mao o início oficial da revolução.

Em 5 de agosto de 1966, Bian Zhongyun, professor da Escola Feminina Secundária ligada à Universidade Pedagógica de Pequim, foi espancado até a morte por suas alunas, depois que Song e outras companheiras publicaram um cartaz em que ele era insultado por um burguês.

Song, então com 17 anos e agora com 64, voltou ao passado no dia 12 de janeiro quando visitou o mesmo campus onde aconteceu aquele assassinato, e publicamente, junto com outras ex-companheiras de turma, pediu perdão por aquele ato.

“Não pude proteger os líderes da escola e isso me causou dor e arrependimento a vida toda”, confessou entre lágrimas.

“Espero que todos os que cometeram erros na Revolução Cultural, que causaram algum prejuízo a seus professores ou seus companheiros, enfrentem a si mesmos, peçam perdão e alcancem a reconciliação”, acrescentou Song, cujo testemunho impressionou também porque provém de uma das famílias mais importantes do regime.

Ela é filha de Song Renqiong, um dos chamados “oito imortais” que dominaram a política chinesa durante a década de 80, grupo que também contava com Deng Xiaoping.

Há quase meio século, a ação de Song e de suas companheiras não apenas não foi punida, como passou com praticamente todos os crimes políticos da época, e se tornou heroína quando, 13 dias depois, foi convidada a posar junto com Mao Tsé-Tung.

Em uma famosa foto da época, Song sorria enquanto colocava uma faixa no braço de Mao Tsé-Tung na entrada da Praça da Paz Celestial, enquanto milhões de jovens Guardas Vermelhos de todo o país os aplaudiam.

A grande reunião de 18 de agosto marcou para muitos o início da Revolução Cultural, concebida por Mao para eliminar seus rivais no regime, após as críticas que recebeu por suas desastrosas políticas no Grande Salto para Frente (1958-1961).

Em outubro do ano passado, Chen Xiaolu, outro antigo Guarda Vermelho, visitou com antigos companheiros de armas outra escola secundária para pedir perdão por seus crimes.

Chen, de 67 anos, também é filho de um histórico símbolo do comunismo, o general Chen Yi, herói das guerras contra o Japão e Kuomintang que foi, além disso, ministro das Relações Exteriores entre 1958 e 1972.

Também houve em 2013 vários casos de pedidos públicos de perdão através de anúncios e artigos em jornais.

Para os observadores, esses arrependimentos públicos estão acontecendo porque os protagonistas de crimes que nunca foram punidos, ao chegar à velhice, começam a sentir remorso.

“Estão envelhecendo, é hora de confessar e se arrepender”, resume Zhang Ming, professor da Universidade Popular de Pequim e habitual comentarista político nos meios de comunicação chineses.

Nem todo mundo está feliz com a tendência, e para extremistas maoístas como o analista Sima Nan é uma estratégia de certos setores do regime para manchar a memória de Mao, seu fundador.

“Há forças interessadas em usar a segunda geração das famílias revolucionárias para mudar a opinião em torno da Revolução Cultural”, afirmou Nan ao jornal “Global Times”.

Após a morte de Mao, o regime concluiu que a grande responsabilidade da Revolução Cultural era da apelidada Camarilha dos Quatro (ou Bando dos Quatro), líderes próximos do Grande Timoneiro (apelido de Mao), entre eles sua viúva, Jiang Qing.

Os quatro líderes foram julgados e condenados em 1980 pelos dez conturbados anos em que, segundo alguns historiadores, morreram violentamente entre 2 e 3 milhões de pessoas. Mas após a sentença eles decidiram virar a página, e pelo menos agora, os próprios arquitetos do massacre começam a lembrar do que aconteceu na época. EFE

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