Investigações em ossadas da ditadura argentina completam 30 anos

  • Por Agencia EFE
  • 10/07/2014 06h14
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Mar Centenera.

Buenos Aires, 10 jul (EFE).- “Os ossos são boas testemunhas: nunca mentem, nunca esquecem”, costumava dizer Clyde Snow, o recém-falecido fundador da Equipe Argentina de Antropologia Legista (EAAF), que este mês completa três décadas dedicadas a identificar pessoas desaparecidas na última ditadura no país (1976-1983).

“Graças ao trabalho do grupo de jovens que Clyde conduziu nos primeiros anos de democracia, muitos de nós pudemos identificar os restos de nossos parentes, conhecer a verdade e começar a transitar o caminho da justiça”, disse a presidente do grupo Avós da Praça de Maio, Estela de Carlotto, na comemoração do 30º aniversário do EAAF na quarta-feira passada.

Uma das integrantes da equipe fundadora foi Patricia Bernardi, que em 1984 acompanhou, com outros sete estudantes argentinos, o antropólogo legista americano na exumação de uma tumba em um cemitério de Buenos Aires e entrou, pela primeira vez em sua vida, em um necrotério.

Em tom jocoso, Patricia disse à Agência Efe que “ter sobrevivido” é a maior conquista da EAAF em suas três décadas de existência. Em seguida, no entanto, retoma o tom sério e destaca a importância de ter mantido os princípios com os quais começaram a trabalhar apesar das mudanças políticas vividas no país e dos avanços científicos.

O maior marco metodológico foi “a aplicação da genética” às investigações legistas, admite a pesquisadora, que lembra que com as análises de DNA “foram feitas muitas identificações e que foram aprendendo com cada uma delas”.

Para a cientista, uma das principais aprendizagens e desafios de seu trabalho está na notificação aos parentes quando conseguem restabelecer a identidade de uma vítima.

“Quando você avisa um parente, diz não apenas que identificou seu pai ou seu marido, mas o trabalho preliminar que fazemos possibilita dizer também quando o mataram, onde o mataram e em que centro clandestino foi visto”, explicou a pesquisadora.

“Em menos de 15 minutos lhes estou dando respostas a perguntas que fizeram durante 35 anos”, comentou Patricia sobre essa delicada tarefa que, assegura, “não se aprende nos livros, é questão de prática”.

Há 30 anos, essas pessoas eram estudantes inexperientes, e agora formam aos novos antropólogos legistas que se incorporam ao EAAF, que ao longo de sua trajetória estendeu suas investigações a mais de 40 países, como Guatemala, El Salvador, Chile, Colômbia, México, Peru, Venezuela, Croácia, África do Sul, Congo e Filipinas, entre outros.

Além das análises genéticas, outros avanços científicos revolucionaram também a metodologia usada, como as técnicas de geofísica para a descoberta das tumbas, destacou Patricia.

“Uma coisa é quando você vai trabalhar em um cemitério, onde evidentemente vai encontrar mortos, e outra quando atua em áreas muito amplas ou clandestinas onde precisa de outras ciências que apresentem também para a descoberta dos restos”, afirmou.

“Cada país é um desafio. Antes de iniciar qualquer trabalho de exumação é essencial ter uma aproximação, realizar um trabalho de investigação preliminar”, detalhou a antropóloga legista.

A técnica, no entanto, não é suficiente para o sucesso de sua tarefa, mas é necessária também a colaboração das autoridades de um país e da sociedade civil.

Para a veterana antropóloga, é preciso avaliar as circunstâncias políticas de cada país, conhecer a posição do governo e dos organismos de direitos humanos antes de trabalhar nele.

“Somos cientistas, mas também é um trabalho muito político”, especificou. “Devemos avaliar se é momento oportuno para iniciar este trabalho, porque uma vez iniciado, é muito difícil parar”. EFE

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