José Serra lembra experiência de “exilado ao quadrado” após golpe de 1964

  • Por Agencia EFE
  • 29/03/2014 10h04
  • BlueSky

Pablo Giuliano.

São Paulo, 29 mar (EFE).- “Um exilado ao quadrado”, assim se define José Serra, de 72 anos, ao lembrar que há cinco décadas teve que abandonar o país por causa do golpe de Estado de 31 de março de 1964 e precisou passar pela mesma experiência em 1973, ao fugir de sua casa no Chile após a derrocada do presidente Salvador Allende.

Em entrevista à Agência Efe, o ex-ministro do Planejamento e da Saúde, ex-governador e ex-prefeito de São Paulo, e duas vezes candidato presidencial declarou que não acredita na revisão da Lei de Anistia de 1979, que impede a abertura de investigações contra as violações aos direitos humanos e crimes contra a humanidade cometidos pela ditadura.

Em seu escritório do bairro paulistano de Pinheiros, o político do PSDB contou sua experiência como testemunha, na posição de presidente da União Nacional de Estudantes (UNE), do golpe que derrubou o presidente João Goulart.

“Me transformei em um exilado ao quadrado”, disse Serra, que fugiu do Brasil porque declarou não ter tido estrutura para viver na clandestinidade em seu próprio país depois de ser o presidente da UNE, um dos movimentos sociais próximos a Goulart.

Serra era presidente da UNE quando em outubro de 1963 escutou da boca de Goulart a seguinte frase: “Não vou terminar meu mandato” depois de solicitar o estado de sítio ao Congresso para inibir as forças políticas que planejavam derrubá-lo.

A partir desse momento, todas as partes estenderam suas posições a favor ou contra de Goulart.

“Foram semanas muito tensas e de alguma maneira eu sentia que viria um golpe, uma solução dramática e traumática”, afirmou Serra, que esteve presente no famoso ato da Central do Brasil, onde Goulart e os sindicatos anunciaram as reformas de base, entre elas a agrária.

Esse ato, segundo Serra, “assustou mais a direita e as forças conservadoras, que organizaram a Marcha da Família em São Paulo, financiada pela CIA, reivindicando a queda de Goulart”.

Na opinião do político tucano, o golpe aconteceu no contexto da Guerra Fria entre Estados Unidos e a então União Soviética.

“O presidente John Fitzgerald Kennedy dizia que se o Brasil passasse ao campo socialista, o efeito para América seria o mesmo causado pela China comunista na Ásia”, comentou.

Após passar três meses na embaixada da Bolívia, então no Rio de Janeiro, Serra conseguiu um salvo-conduto que lhe permitiu ir à França, onde estudou, e depois se radicou no Chile, onde se casou, teve duas filhas e trabalhou como professor da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso).

Em Santiago foi também assessor da equipe econômica de Allende em 1973, enquanto no Brasil se consolidava a ditadura.

“Fui detido no aeroporto após o golpe de Estado no Chile e levado ao Estádio Nacional. Consegui escapar porque a embaixada italiana tinha me procurado e a Flacso e a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) pressionaram”, contou Serra, que depois foi para os Estados Unidos, após refúgio de seis meses na embaixada italiana em Santiago.

“Minha detenção no Chile teve mais a ver com minha atividade como brasileiro que denunciava a ditadura do meu país no exterior que com meu trabalho de assessor do governo de Allende, que economicamente estava mal, porque com inflação de 20% mensal não há governo que resista”, contou, evocando a Operação Condor, a repressão coordenada das ditaduras sul-americanas.

Às vésperas do aniversário de 50 anos do golpe no Brasil, Serra declarou durante a entrevista à Efe que a Lei de Anistia que permitiu o retorno dos exilados e garantiu a impossibilidade de causas penais contra os agentes do estado acusados de crimes contra a humanidade não será modificada, apesar das exigências de organismos de direitos humanos.

“Acho que é importante investigar o que aconteceu, mas não acho que tenha que haver uma conotação punitiva”, ressaltou o político, que advertiu que se o Supremo Tribunal Federal revogar a Lei de Anistia para abrir processos, estes poderiam abranger também os que cometeram ações contra o regime militar.

“Sob esta tese, também é preciso abrir as ações da luta armada. Apesar de ser desproporcional em quantidade pela tortura e pelo assassinato sistemático, do outro lado isso também teria que passar pela Justiça. Mas já passaram 50, 40 anos, não acho que isso possa ser feito”, concluiu. EFE

plg/rsd

  • BlueSky

Comentários

Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.