Juan Gelman, um poeta comprometido com a realidade
México, 14 jan (EFE).- O poeta, tradutor e jornalista argentino Juan Gelman, ganhador dos prêmios Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana em 2005 e Cervantes em 2007, morreu nesta terça-feira no México, aos 83 anos de idade.
Duas energias ativaram a poesia de Gelman: uma lírica, focada nas coisas simples, cotidianas, o amor às pessoas e à natureza; e outra comprometida com a justiça, às vezes indignada, sempre receptiva em relação à dor alheia.
Gelman nasceu no dia 3 de maio de 1930 no bairro de Villa Crespo, em Buenos Aires, e sua primeira obra publicada, “Violín y otras cuestiones” (1956), já recebeu elogios da crítica. Seu livro seguinte foi “El juego en que andamos” (1959).
A estas duas publicações de poemas seguiram outras como “Velorio del solo” (1961), “Los poemas de Sydney West” (1969), “Fábulas” (1971), “Comentarios” (1978), “Citas” (1979), “Carta abierta” (1980), “Bajo la lluvia ajena” (1980), “Hacia el Sur” (1982), “Com/posições” (1983), e “Isso” (1984).
Nos anos 1960 fez parte das Forças Armadas Revolucionárias (FAR) e posteriormente da guerrilha dos Montoneros.
Gelman, ameaçado pela Aliança Anticomunista Argentina (Triple A ou AAA), foi obrigado a se exilar em 1975 e a trocar seu trabalho de jornalista, sua cidade e seus amigos por novas situações: Itália, França e México.
A Triple A era um esquadrão da morte de extrema direita que atuou principalmente durante a Presidência de Isabel Perón (1974-1976) e tinha como principal objetivo desestabilizar o governo através do assassinato de políticos e partidários da esquerda, como artistas, intelectuais, escritores, estudantes, historiadores, entre outros.
Pouco depois de abandonar a Argentina, no dia 24 de agosto de 1976, seu filho Marcelo e sua nora, a espanhola Claudia García, foram sequestrados por militares argentinos quando ela estava grávida de sete meses. Marcelo tinha 20 anos e Claudia 19.
Seu filho Marcelo foi torturado e, 13 anos depois, seus restos mortais foram encontrados em um tambor de cimento e areia junto com outros sete companheiros.
Sua nora foi levada clandestinamente a Montevidéu, a capital do Uruguai, onde desapareceu em 1977 após dar à luz a uma menina no Hospital Militar. Segundo uma investigação da Comissão para a Paz, criada pelo presidente do Uruguai Jorge Batlle (2000-2005), Claudia foi assassinada depois do parto.
A neta de Juan Gelman, Macarena, foi criada pela família de um policial uruguaio que escondeu dela sua verdadeira identidade, mas em 2000 o considerado “poeta da dor” a localizou e desde então ambos lutaram pelo esclarecimento da verdade.
A tragédia levou Gelman a desenvolver no exílio um trabalho internacional de denúncia das violações dos direitos humanos cometidas pela ditadura argentina.
Após a restauração da democracia no país, o juiz Miguel Guillermo Pons, nomeado pelo regime militar (1976-1983) e ratificado pelo Senado em 1984, ditou em 1985 uma ordem de prisão contra Gelman relacionada com sua participação no Movimento Peronista Montonero (MPM).
Mas em 1979, o escritor havia rompido publicamente com o Movimento por divergências com sua política militar e sua atitude em relação ao regime do general Jorge Videla (1976-1981). Uma nova crítica sua, publicada pelo jornal francês “Le Monde”, suscitou sua condenação à morte pelo MPM.
Gelman se tornou em 1986 em um símbolo político quando Mario Vargas Llosa e Graham Greene lançaram uma campanha internacional em protesto pelo processo judicial movido contra ele.
Além disso, um grupo de personalidades da literatura hispânica denunciou em uma carta dirigida ao presidente Raúl Alfonsín (1983-1989), em 1987, a perseguição da qual Gelman era alvo. Entre os escritores que expressaram seu apoio ao poeta figuravam María Zambrano, Rafael Alberti, Camilo José Cela e Augusto Roa Bastos.
No último dia de 1987, Gelman foi liberado da prisão com o pagamento de US$ 16 mil de fiança, o que foi revogado horas depois pela Câmara Federal.
Quando o poeta retornou a seu país para depor na justiça, 12 anos de exílio já haviam se passado. Mas Gelman sepultou seu filho e foi viver no México.
Em resposta à declaração das autoridades argentinas de que o Estado pediria perdão às vítimas em sua figura e na de sua neta, o poeta afirmou que “essas desculpas deveriam ser dadas a todas as vítimas da ditadura”.
Gelman também esteve na Espanha em diversas ocasiões e depôs na Audiência Nacional (um dos tribunais superiores do país) nos processos abertos contra os militares responsáveis pelas desaparições durante a ditadura argentina.
A última etapa de sua poesia reflete a dor por seus amigos desaparecidos, a terra distante e o desapego do exílio: “Anunciaciones” (1988), “Carta a mi madre” (1989), “Salarios del impío” (1992), “La abierta oscuridad” (1993), “Incompletamente” (1997) e “Ni el flaco perdón de Dios” (1997).
Em 1997 publicou a antologia pessoal “Debí decir te amo” e “Prosa de prensa”, livros que foram sucedidos por “Tantear la noche” (2000), “Afganistán, Irak, el imperio empantanado” (2003), “País que fue, será” (2004), “Oficio ardiente” (2005), “Miradas” (2006), e “El emperrado corazón amora” (2011).
No Brasil há quatro edições de sua poesia: “Amor que serena, termina?” – um panorama de sua poesia traduzido por Eric Nepomuceno e revisada por Chico Buarque de Holanda -, “Isso”, “Com/posições” e “Dibaxu/Debaixo”, uma coleção de 29 poemas escritos em ladino (o judeu-espanhol), além de outras antologias de poetas argentinos e latino-americanos.
Em 2007 recebeu o Prêmio Cervantes, o mais importante da literatura em língua espanhola, pelo “compromisso com a realidade” que emana de sua obra e por conseguir integrar em seu pensamento poético “sua terrível história pessoal”. EFE
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