Como esperar que governantes representem o povo se só nos preocupamos com eleições a cada 4 anos?
Não são necessárias maiores ilações para vislumbrarmos ser imprescindível que todos passem a desempenhar um papel mais incisivo, de mais constante participação e envolvimento na sociedade
Em um momento em que são discutidas reformas substanciais, a reforma política tem lugar de destaque, e com ela, a participação popular. Não há como regar uma planta a cada 4 anos e se surpreender que ela tenha se atrofiado. Da mesma maneira, não se comanda uma empresa dando ordens periódicas com longos anos de omissão, pois, os desvios serão inequívocas e inarredáveis certezas. Por que sabemos a maneira ideal de conduzir uma companhia, mas fingimos acreditar que cumprimos nosso papel como cidadãos apenas e tão somente por votar periodicamente nas eleições?
Da mesma forma com que a simplicidade dos exemplos iniciais se extrai a impossibilidade de um bom resultado, como esperar dos governantes brasileiros que representem os interesses públicos de seus eleitores, se o contato, em sua maioria, cinge-se à obrigação de votar a cada 4 anos? Não são necessárias maiores ilações para vislumbrarmos ser imprescindível que todos passem a desempenhar um papel mais incisivo, de mais constante participação e envolvimento na sociedade, como condicionante, inclusive, de um efetivo controle social.
Evidentemente que nos referimos ao controle social que se caracteriza pela efetiva e democrática participação popular na gestão pública, e não àquele implementado de forma inversa e veementemente reprovável durante a ditadura militar visando controlar a sociedade. Também não me refiro apenas a passeatas e manifestações populares que vivenciamos nos últimos anos, mas a ferramentas mais elaboradas e efetivas, como as denominadas auditorias democráticas, já levadas a efeito em mais de cinquenta países – tão diversos como Reino Unido, Argentina e Costa Rica.
A partir da implementação de tais ferramentas, pode-se observar tanto um aprimoramento institucional quanto em questões mais concretas como aprovações de normas. Trata-se de mecanismo pautado pela lógica da ação coletiva, em que são instados a agir – e assumir as respectivas responsabilidades pelo desenvolvimento e aprimoramento institucional da sociedade – os mais diversos atores, traduzindo excelente termômetro para aferir, dentre outras questões, a legitimidade dos representantes eleitos, seu eventual distanciamento do plano de governo aprovado nas urnas, a relação de pesos e contrapesos entre os poderes, e a dinâmica da relação Estado-Sociedade.
De posse desses dados, a mobilização popular adquire fundamentação mais densa, bem como justificativas técnicas e críveis para cobrar os governantes ao longo de seus mandatos -, e não apenas de forma posterior e pouco efetiva, quando muitas vezes o prejuízo ao interesse público já se aperfeiçoou. Além do exemplo acima, há inúmeras outras ferramentas capazes de trazer a população mais próxima de seus representantes eleitos, como por exemplo o e-voting (votação eletrônica) implementado na Estônia desde as eleições de 2005. Nessa modalidade, a votação remota através da internet é disponibilizada dias antes das eleições, sendo que, caso o eleitor opte por revisar o seu voto pessoalmente no dia da votação, a escolha presencial efetivada afasta a virtual, dando ênfase à máxima de um voto por pessoa.
Talvez ciente de exemplos exitosos como o da Estônia, o Tribunal Superior Eleitoral publicou em 28/09/20 um edital de chamamento público (projeto “Eleições do Futuro”) para ao desenvolvimento de software para votação remota por empresas de tecnologia através de simulações durante o 1º Turno das Eleições. Espera-se que o resultado do chamamento público em questão traga à tona a possibilidade do voto pela internet para inúmeras outras questões que não apenas as eleições gerais, tais como plebiscitos e aprovações de normas com a participação direta da sociedade. Passamos da hora de evoluirmos e deixarmos de lado o maniqueísmo polarizador direita-esquerda, reconhecendo as diferenças conceituais e insuperáveis entre Estado e Governo, e usarmos o que outros países já lançam mão com êxito, com as devidas adaptações à nossa realidade, para que nos aproximemos das decisões, e aí sim estarmos aptos a criticar com veemência eventuais desvios.
Esse dualismo apenas distancia boas cabeças que, obcecados por suas ideologias, não compreendem a possibilidade de se venerar o Brasil e vilipendiar seus governos, asserção esta que se aplica desde o governo Sarney, passando por Collor, Itamar, FHC, Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro. A conjunção de ideias pode ser o contrapeso ideal para balancear os três Poderes através da soberania popular, fundamental à nossa democracia. Pode-se, também, retomar algo próximo à efetiva discussão do auge da democracia Ateniense, onde havia de fato participação popular, não se comparando à míope democracia atual, restrita a migalhas travestidas de sufrágios quadrienais.
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