Trecho de poema de Eduardo Alves da Costa parece ter sido endereçado ao período da pandemia
Fragmento do texto ‘No Caminho, com Maiakósvki’, que ficou conhecido no período da ditadura militar, mostra similitude da época em que foi escrito com o atual cenário
As recentes notícias me obrigam a replicar um trecho da obra do poeta fluminense Eduardo Alves da Costa, denominada “No Caminho, com Maiakósvki”, que pela similitude da época em que foi escrita com o atual cenário, dá a sensação de ter sido endereçada a esse estranhíssimo período pandêmico:
“Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakóvski.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.
Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas amanhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir”.
Infelizmente, e tal como pressagiado acima, espero que a inação coletiva não nos remeta, novamente, à época na qual já não poderemos dizer mais nada.
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