Juízes das redes sociais tentam desmontar toda a graça e beleza de ‘Emily em Paris’

Na França, descobrimos que o público destruiu a série por retratar o povo francês e seus hábitos de maneira exagerada; o curioso é que, no Brasil, alguns espectadores embarcaram nessa ladainha

  • Por Marcos Petrucelli
  • 16/10/2020 12h29 - Atualizado em 16/10/2020 12h35
Reprodução/Twitter/Netflixbrasil emily in paris; netflix Série "Emily em Paris" estreou na Netflix no começo do mês de outubro

“Emily em Paris”, disponível no Brasil pela Netflix, é uma daquelas séries de TV que se pode chamar de fofa! Tem uma personagem jovem, bonita e inteligente; é ambientada em uma das cidades mais lindas do mundo; tem um visual ao mesmo tempo moderno e requintado; há festas, gente bonita, situações cômicas, um cardápio refinado da culinária francesa, um intenso desfile da mais alta-costura e, de quebra, muito romance, afinal estamos naquela que é considerada a capital do romantismo. Mas, mesmo com tudo isso, os intrépidos juízes das redes sociais, sempre tão atentos e preocupados com o bom comportamento, outra vez resolveram atacar e praticamente desmontar toda a graça e a beleza de “Emily em Paris”. 

Entrarei em detalhes mais à frente, mas antes lembro-me do drama nacional “Que Horas Ela Volta?”, dirigido por Anna Muylaert, e especificamente de uma cena em que a empregada doméstica Val, a personagem de Regina Casé, conversa com outra empregada, Raimunda, na cozinha da casa onde elas trabalham. Val está preocupada com a filha, Jéssica, que decidiu sair de Pernambuco para morar com ela em São Paulo, e, irritada, passa a apontar os defeitos da garota. É quando Raimunda, além de concordar com a amiga, também verbaliza as esquisitices da moça. No mesmo instante, Val olha furiosa para Raimunda e apenas diz: “Não fale de Jéssica!”

Ok, você não é muito de assistir ao cinema brasileiro, então vamos de um comercial de televisão. Lázaro Ramos era o garoto propaganda de um famoso chinelo de dedo (como dizem por aí). Ele está numa barraca de praia conversando com o atendente do balcão. Falam sobre o chinelo e também do Brasil, um país com tantas dificuldades. Eis que entra na conversa um rapaz argentino para concordar e questionar como era possível um país como esse e com tantos problemas. Lázaro e o atendente da barraca encaram o argentino: “Tá falando o quê, rapaz? O Brasil é um país lindo, aqui a gente não tem problema nenhum”.

Ou seja, a Jéssica da empregada doméstica Val é o equivalente ao Brasil de Lázaro Ramos. Ninguém deveria falar mal da Jéssica, a não ser a própria mãe; e o Brasil é do Lázaro, então não venha um argentino petulante para querer criticar este país. A indignação exemplificada nesses dois personagens se refletiu da mesma forma na série “Emily em Paris”. Na França, de acordo com vários textos disponíveis, descobrimos que o público destruiu a série por retratar o povo francês e seus hábitos de maneira exagerada. Há referências ao popular mito de que o francês não é adepto do banho (por isso produzem os melhores perfumes), que os homens são todos uns sedutores mulherengos, que os franceses não gostam muito de trabalhar e preferem as festas regadas a champanhe, que todos são tristes e melancólicos e, além do mais, que o povo não suporta estrangeiros e muito menos falar outra língua que não seja o francês – portanto, são xenófobos por definição. Para piorar, tudo isso é apresentado como uma caricatura e de forma generalizada. O curioso é que, no Brasil, alguns espectadores embarcaram nessa ladainha.

É importante ter em mente que “Emily em Paris” é uma produção norte-americana. O criador e roteirista é Darren Star, o mesmo da popular e premiada “Sex and the City”. Star, aliás, enfrentou críticas bastante semelhantes ao criar um universo bem particular da Nova York que vimos na série estrelada por Sarah Jessica Parker. Fato: sendo Darren Star um americano, parece bastante natural que sua construção sobre o comportamento dos franceses soe como algo caricato, mas está muito longe da generalização. Star faz apenas um recorte a partir de um olhar estrangeiro que, para todos os efeitos, trata-se da sua verdade. Ainda que isso possa ferir alguns sentimentos, já que a verdade dói, é injusto e mesquinho achar que o roteirista não possa expressar o seu próprio sentimento.

A triste constatação é que o público de hoje, seja de qual for a nacionalidade, vem perdendo a capacidade de fazer uma autocrítica, mas sobretudo de não se levar a sério em todas as questões e encarar a vida com um pouco mais de humor. O brasileiro, assim como o francês, conhece bem suas mazelas. É preciso somente algum esforço para atingir um certo grau de evolução e também reconhecê-las. O que, convenhamos, torna-se bastante simples quando estamos falando apenas de uma história de ficção, uma série de TV, cujo objetivo é tão somente divertir, emocionar e entreter. “Emily em Paris”, que como já disse é muito fofa, entrega esse pacote completo.

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