No tabuleiro geopolítico de Hamburgo, Trump abre espaço
A cúpula do G-20 em Hamburgo, na Alemanha, serve para mostrar uma ágil rearticulação no tabuleiro geopolítico e também econômico no mundo. Donald Trump se retrai, abdicando da liderança global americana, abrindo espaço para outros atores atuarem com mais desenvoltura.
A dinâmica aconteceria de qualquer forma, mas fica mais escancarada com a postura America First de Trump, marcada por vacilos nas tradicionais redes de alianças dos EUA, os acentuados pendores de protecionismo comercial do presidente e o empenho de ir contra o consenso em questões que afligem todo o planeta, como é o caso do acordo climático de Paris.
Trump motiva a China a assumir um papel mais saliente de paladina do multilateralismo, o que é algo desolador, pois o país é uma ditadura e e obviamente hipócrita sobre livre comércio. Ademais, obriga a Alemanha de Angela Merkel, uma firme aliada dos EUA, a assumir uma postura agressiva contra Washington.
A obrigação vem a calhar para Angela Merkel, em campanha de reeleição. Compensa bater com força em Trump, altamente impopular na Alemanha. Com o retraimento americano, inclusive existe o empurrão para uma aliança informal entre as duas potências industriais da Ásia (China) e Europa (Alemanha).
Mesmo o mais discreto Japão não esconde o seu desconforto com as atitudes de Trump, embora o primeiro-ministro Shinzo Abe esteja mais afinado com Washington no desafio nuclear norte-coreano. Mas na quinta-fera, Japão e União Europeia assinaram um pacto de livre comércio, deixando clara a disposição para ocupar o vácuo em função do abandono da liderança dos EUA no comércio global.
Existe exagero em se falar que é Trump contra o mundo (embora o presidente americano não fique ruborizado – ou mais laranja – com este cenário). Trump é imprevisível, inconsistente e ignorante, mas não pode simplesmente destruir a arquitetura desenhada pelos EUA com a hegemonia obtida ao final da Segunda Guerra. Ademais, a assessoria do presidente ainda se mostra minimamente corajosa para conter os piores impulsos de Trump.
E não vamos esquecer que Trump não está exatamente contra Vladimir Putin. Obviamente o encontro bilateral desta-sexta-feira é o mais aguardado neste G-20. Será o primeiro entre os dois. O aperitivo foi na quinta-feira com as declarações do presidente americano em Varsóvia. É verdade que Trump ao menos finalmente reafirmou o compromisso dos EUA com o Artigo 5 da Otan, a aliança militar ocidental, de defesa coletiva. A noção de ataque contra um dos membros ser um ataque contra todos tem Moscou como alvo preferencial.
No entanto, Trump novamente questionou a culpabilidade russa por interferir na eleição americana do ano passado. Trump duvida das conclusões da própria inteligência americana sobre esta interferência. O suposto líder do mundo líder tem nesta sexta-feira uma oportunidade de peitar o agressor Putin no primeiro corpo-corpo entre os dois. Duvidoso. Ele prefere agredir a imprensa.
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