Os desaparecidos na Bósnia, uma ferida aberta após quase 20 anos de paz

  • Por Agencia EFE
  • 28/09/2014 07h17

Tariq Jablic.

Sarajevo, 28 set (EFE).- Durante quase uma semana Djemail Hasanovic fez uma greve de fome em uma estrada perto de Srebrenica, no leste da Bósnia, para chamar a atenção sobre seu filho desaparecido durante a guerra que assolou o país entre 1992 e 1995.

“Não me movimentarei daqui sem os ossos do meu filho. Ou terão que me atirar em um caixão”, disse Hasanovic à imprensa bósnia, sentado em uma cama em um acostamento próximo ao lugar no qual acredita que assassinaram seu filho há mais de 20 anos.

A frustração por anos de busca infrutífera, que pouco a pouco vão minando as esperanças, não é algo que afete apenas este pai, mas também às famílias dos estimados oito mil desaparecidos dos quais não se tem rastro no país balcânico habitado por sérvios, croatas e bósnio-muçulmanos.

Na semana passada Hasanovic abandonou finalmente sua greve de fome ao receber uma nova pista sobre o paradeiro dos restos de seu filho, Dzevad, que se supõe que morreu em 1993 com outros dois civis em uma emboscada de militares servo-bósnios.

Os investigadores do Instituto de Desaparecidos da Bósnia encontraram restos mortais de uma pessoa e esperam a autorização da procuradoria para iniciar a exumação.

“Se um dia encontram os ossos, fazem a análise de DNA e me dizem que tudo se encaixa, irei a algum outro país para ratificá-lo porque não confio neles”, declarou Hasanovic à imprensa local.

Quase duas décadas depois da guerra que enfrentou muçulmanos, sérvios e croatas, 24 mil pessoas desaparecidas foram achadas e seus cadáveres exumados, muitos em valas comuns, e grande parte foi identificada.

Mas a maioria dos familiares que segue buscando os desaparecidos assumiu que não os encontrarão com vida. Só querem encontrar os restos para dar-lhes um funeral apropriado e virar a página assim de uma experiência tão dolorosa como longa.

Após anos de dissabores, são cada vez mais os que tentam obter informação por fontes próprias perante a desconfiança nas autoridades de um Estado disfuncional como o da Bósnia-Herzegovina.

Em algumas ocasiões, para acelerar a busca, chegaram a pagar as exumações de fossas realizadas pelas autoridades, que mais tarde lhes reembolsam parte das despesas.

O bósnio muçulmano Safet I. desapareceu em 1993. Foi capturado pelos militares bósnio-croatas quando retornava de uma viagem ao exterior, onde trabalhava, e desde então nunca mais foi visto.

Sua esposa e filhos contaram à Agência Efe que ouviram dezenas de histórias sobre seu destino e que, da mesma forma que outros muitos, tentam conseguir algum dado novo por seus próprios meios, sem que até o momento tenham podido achar “nem um osso”.

Cada vez que chega alguma notícia do achado de uma nova vala comum, se despertam certas esperanças que as análises de DNA possam confirmar que se encontraram os restos de seu parente.

“Mas nada ocorreu, já é muito difícil falar de tudo isto, tudo nos parece em vão”, lamentou à Efe a esposa de Safet.

A busca de desaparecidos se tornou mais lenta e, à medida em que diminui seu número e transcorre o tempo, há cada vez menos informações, até que de repente se descobre alguma fossa desconhecida, como no ano passado em Tomasica, na qual foram encontrados restos de 435 pessoas.

Além disso, como qualquer problema na Bósnia, as constantes discórdias entre os três principais povos do país, sérvios, croatas e muçulmanos, dificultam a busca.

As autoridades servo-bósnias denunciam que o Instituto de Desaparecidos da Bósnia, criado em 2008, faz muito pouco para buscar as vítimas sérvias.

“As estatísticas nos dão razão”, assegura Milorad Kojic, diretor do Centro Servo-Bósnio de Investigação da Guerra, Crimes de Guerra e Busca de Civis Desaparecidos.

“Antes da criação do Instituto se acharam e identificaram 320 casos de desaparecidos (sérvios por ano). Desde então até 2014, foram achados no total 200 sérvios”, argumentou.

Para dar um novo impulso à busca de desaparecidos na região balcânica, os presidentes de Bósnia, Croácia, Sérvia e Montenegro assinaram no final de agosto uma declaração que destaca o papel do Estado nessa tarefa.

O documento, que também pede o castigo para os responsáveis do destino das vítimas, foi elaborado pela Comissão Internacional para Pessoas Desaparecidas (ICMP), uma referência no campo em nível global, com sede em Sarajevo.

A estimativa é que ainda há cerca de 12 mil desaparecidos pelas guerras que castigaram a antiga Iugoslávia na década de 1990, oito mil deles na Bósnia-Herzegovina. EFE

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