Polêmica anistia impede cicatrização das feridas da ditadura
Alba Santandreu.
São Paulo, 29 mar (EFE).- Passados 50 anos desde o golpe militar no Brasil, entidades de direitos humanos clamam pelo fim da “impunidade” que a polêmica anistia de 1979 instaurou no país durante e depois da ditadura (1964-1985).
Aprovada há 35 anos por um Congresso que servia como “fachada democrática” ao regime militar, a anistia impede o julgamento de acusados de crimes como tortura, sequestro e assassinato cometidos durante a ditadura e é hoje duramente criticada por movimentos sociais que exigem castigo para os crimes contra a humanidade.
“O Brasil é o país da impunidade”, afirmou à Agência Efe o advogado Jair Krischke, presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH) do Rio Grande do Sul.
Ativista na luta contra a ditadura, Krischke ressaltou a “falta de interesse” político para revogar a norma e questionou a decisão do Supremo Tribunal Federal de não revisar a lei, aprovada por um Congresso servil ao regime e no qual um terço dos membros foi designado a dedo pelos militares.
“Nossa Suprema Corte tomou uma decisão de maneira contrária ao que o mundo entendia. Temos que mudar a lei no Congresso para que o STF entenda que não é possível viver na impunidade”, ressaltou.
Em 2010, diversos movimentos sociais exigiram a anulação da anistia, mas o Supremo referendou a lei por sete votos a favor e dois contra.
Meses depois da decisão, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH) emitiu uma sentença na qual pedia ao Estado brasileiro que punisse os responsáveis por violações aos direitos humanos durante a ditadura.
Embora a CorteIDH tenha se referido concretamente à Guerrilha do Araguaia, diversas organizações humanitárias consideram que a sentença desse órgão interamericano é “extensível” a todos os crimes cometidos durante o período ditatorial.
O deputado Adriano Diogo (PT), presidente da Comissão da Verdade do estado de São Paulo, que investiga os crimes durante a ditadura, qualificou como “terríveis” as consequências da anistia, sancionada em 28 de agosto de 1979 pelo general João Baptista Figueiredo, o último dos governantes militares.
“Por culpa da Lei de Anistia, não saímos do capítulo da memória e não ingressamos nem no capítulo da verdade, nem no da justiça”, declarou Diogo em entrevista à Efe.
Da mesma forma que o deputado, a presidente do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, Cecilia Coimbra, considerou que a norma de 1979 é uma lei de “autoanistia” criada para beneficiar os militares que cometeram “atrocidades”.
A lei “foi feita para os opositores da ditadura, mas os juristas incluíram uma nova interpretação. Incluíram os agentes do Estado que torturaram e tomaram pessoas ilegalmente”, comentou a ativista, que foi sequestrada e torturada em 1970 junto com seus irmãos e seu marido.
Segundo Diogo, mais de 400 pessoas morreram em “confrontos diretos” durante a ditadura, e 90 mil foram presas e torturadas durante os 21 anos nos quais os militares governaram o Brasil.
Nesse sentido, não existem dados realmente oficiais, embora haja movimentos de direitos humanos que cifrem o total de mortos em mais de mil e o de desaparecidos em cerca de 400, números que a Comissão da Verdade tenta esclarecer.
“É necessário fazer uma revisão da Lei de Anistia. Quando for revogada, todos os crimes serão esclarecidos, todos os arquivos serão abertos, a verdade será contada e a justiça será feita. Caso contrário, não se saberá dos crimes do passado, muito menos dos crimes do presente”, concluiu Diogo. EFE
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