A realidade educacional nesta pandemia: retrocessos, necessidades, desafios e possibilidades
Distanciamento durante a pandemia levou boa parte dos alunos para longe da escola; entre outras coisas, é preciso criar estratégias de acolhimento e promover diálogo entre professores e pais
Uma recente pesquisa realizada pelo Datafolha apontou que, no Brasil, quatro em cada dez alunos da rede pública de ensino se sentem desmotivados e demonstram resistência a voltar às atividades na escola. Esses resultados vão ao encontro de muitas outras pesquisas que vêm sendo realizadas e que semanalmente nos colocam cara a cara com a triste realidade vivida pela educação brasileira em razão da atual pandemia. No entanto, o que de fato está por trás desses números? Será que as crianças preferem o ensino remoto? Não estariam com saudades dos professores e do convívio com os colegas, como era de se esperar? O problema parece ser que o distanciamento durante a crise da Covid-19 levou boa parte dos alunos para longe da aprendizagem e da escola. Afastados da rotina diária de atividades, muitos estudantes não estão tendo aulas, nem mesmo as remotas. E, quando oferecidas, elas são de curta duração e com recursos distantes de promover uma aprendizagem eficaz.
Depois de um ano e três meses de paralisação das aulas presenciais, os alunos criaram novas rotinas, e a volta à escola pode lhes causar um certo desconforto. Um dos aspectos que acreditamos justificar essa pouca vontade, portanto, envolve o fator motivacional, mas também o próprio medo de se depararem com um ambiente que já não faz mais parte da rotina. É muito importante destacar que o ensino não presencial exige tecnologia e metodologias adequadas, associadas à conectividade e ao ambiente propício para o estudo e o desenvolvimento das atividades escolares. Não foi isso que a maioria das crianças teve, especialmente as matriculadas nas escolas públicas, visto que, em uma significativa parte dos casos, desenvolveu estudos por meio de materiais impressos encaminhados para suas casas ou por meio do WhatsApp, resultando em pouquíssima interação entre os alunos e seus professores.
Outro fator que pode explicar essa apatia dos alunos é o próprio distanciamento físico em relação aos professores e colegas. O período desse afastamento ficou longo demais, as crianças aprenderam a criar outros hábitos cotidianos e a ocupar o tempo com outras atividades, mesmo que voltadas para a aprendizagem. Há crianças que nem sequer conheceram os professores que teriam no ano passado e já estão convivendo com um novo professor, ainda sem conhecê-lo também. O mesmo se pode dizer dos colegas de turma, principalmente no caso das crianças da educação infantil e dos primeiros anos do ensino fundamental.
O ano letivo de 2020 terminou mal e o de 2021 começou um pouco pior: crianças foram promovidas para o próximo ano escolar sem uma real avaliação de aprendizagem; um expressivo número delas nem concluiu o ano! No entanto, todas foram chamadas e tivemos que “passar um pano” em cima de tudo isso para não vermos se agigantar ainda mais os índices de evasão. Há crianças que aprenderam quase nada, há crianças que aprenderam um pouco e há uma quantidade de crianças, ainda que bem menor, que aprendeu mais. Teoricamente, todas estão juntas, cerca de 80%, em ensino remoto, o que exige um trabalho hercúleo dos professores. E nos perguntamos: como manter equilíbrio no processo de aprendizagem em um cenário com tantas discrepâncias?
Muitos professores têm relatado também uma certa apatia por parte das crianças que voltaram, que estão nas escolas com atividades presenciais intercaladas com atividades remotas desenvolvidas em casa. Não há muito estímulo e as aulas ficaram sem graça. Além disso, as regras são duras e, para as crianças, o distanciamento social e o uso de máscaras o tempo todo têm tirado um pouco da ludicidade e do brilho do espaço escolar. Esses professores, que já trabalham nas atividades presenciais intercaladas com as remotas, também não se sentem motivados e reclamam da sobrecarga de trabalho, visto que é necessário que trabalhem com parte dos alunos na sala de aula e outra parte em suas casas. Como precisam desenvolver várias atividades, acabam não conseguindo dar a devida atenção a nenhum desses grupos de estudantes.
Existe ainda a dificuldade de cuidar das medidas sanitárias, de avaliar o desempenho dos alunos e de mediar o convívio com estudantes que adotam comportamentos bastante diferentes entre si, muito em função da influência dos próprios pais. Afinal, há os que tratam o uso de máscaras com um certo desdém, o que exige dos professores atitudes mais inflexíveis, nem sempre contando com o apoio dos pais. Se o pai não usa ou não incentiva o uso de máscara é de se esperar que a criança também não a queira usar no espaço escolar. Como os adultos têm comportamentos muito diferentes nos espaços de convivência, não há como esperar outros comportamentos por parte das crianças. Tudo isso, associado a tantas outras situações negativas, diminui o encanto da escola. É preciso preparar muito, tanto os professores quanto os pais, para que lidem bem com essa situação, a começar por estratégias de acolhimento e socialização das crianças.
Outro ponto importante é o diálogo entre escolas e famílias, em especial o dos professores com os pais das crianças. Somente com esse trabalho unificado de escola e família, associada à boa formação dos professores, é que podemos amenizar tais problemas. Para que as crianças consigam criar hábitos de estudos que ocupem boa parte do seu dia novamente, precisamos orientá-las para tal. Nessa rotina, devem ser incluídas atividades diagnósticas e de recuperação da parte da aprendizagem que ficou comprometida no ano passado, planejando atividades mais prazerosas, que desafiem e incentivem as crianças nesse novo tempo de estar na escola e estudar em casa também.
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