O que deve mudar na escola brasileira com a regulamentação da educação híbrida pelo CNE
É consenso que as novas tecnologias não substituem e nem diminuem o papel do professor; veja as principais sugestões discutidas na reunião do Conselho Nacional de Educação
Como convidado, participei de uma sessão pública do Conselho Nacional de Educação (CNE) realizada na última semana, quando foi discutida a educação híbrida. O CNE tem ouvido os diversos enfoques das diferentes entidades, instituições e pesquisadores em educação e analisado vários estudos e diagnósticos sobre o ensino remoto e educação híbrida, de modo a elaborar um novo marco regulatório para o sistema educacional brasileiro. Nesse evento, as principais contribuições apresentadas para o CNE vieram da Associação Nacional da Educação Híbrida (ANEBHI), do Instituto Reúna, do Instituto Península e da educadora e pesquisadora Dra. Guiomar Namo de Melo, que também já atuou como conselheira no CNE. Ainda haverá muitas outras reuniões para acolhimento de sugestões e propostas para a nova legislação, mas resumo, nos dez tópicos a seguir, as principais sugestões dos presentes a essa reunião:
- Diferentes pesquisas sobre o ensino remoto praticado pelas escolas em 2020 indicam perdas consideráveis do nível de aprendizagem dos alunos, principalmente na disciplina Matemática. É recomendável, contudo, maior aprofundamento na análise desses dados e a realização de outras pesquisas, de modo que haja melhor entendimento sobre os resultados e os efeitos colaterais da implantação do Ensino Remoto Emergencial.
- O consenso de que as novas tecnologias (basicamente a internet e os mecanismos de busca) não substituem e nem diminuem o papel do professor é praticamente total. Há, sim, mudanças consideráveis nos papéis do professor na atualidade, especialmente com a implantação do ensino remoto e, mais recentemente, da educação híbrida. Ao contrário do que alardeavam alguns, o bom uso pedagógico das novas tecnologias depende da intenção e da intervenção pedagógica do professor, seja em sala de aula ou por meio de recursos digitais.
- A implantação da educação híbrida pode ser radical ou moderada. A moderada mantém o modelo curricular por disciplinas, mas incentiva trabalhos interdisciplinares; a radical muda o desenho curricular, substituindo as disciplinas regulares por um currículo com blocos interdisciplinares de conteúdos, com foco no uso de metodologias ativas. A maioria das instituições tem optado pela moderada, mas há incentivos para mudanças mais radicais.
- Há grande necessidade de melhorar as habilidades metodológicas dos professores, implantando novas práticas pedagógicas, sobretudo as ativas, com ênfase na aprendizagem por projetos ou baseada em problemas, em aprendizagens orientadas com roteiros individuais, jogos, desafios e outros.
- É fundamental que, na implantação dessas novas metodologias, haja desenvolvimento concomitante dos aspectos cognitivos dos alunos – coordenação motora, adaptação, psicomotricidade e linguagem – e do desenvolvimento socioemocional – empatia, responsabilidade, autoestima, criatividade, comunicação, autonomia etc.
- A implantação de novas tecnologias no processo de aprendizagem, o que pode e deve gerar melhorias significativas na produtividade dos estudantes, introduz mudanças estruturais fundamentais na escola, principalmente ao propiciar organizações variadas dos processos de aprendizagem, como atividades síncronas, de maneira on-line ou presencial, ou assíncronas, para o estudante poder estudar em seu próprio tempo e na sua velocidade, sem a necessidade de estar com a turma ou com o educador.
- Além de apoiar o desenvolvimento das competências gerais previstas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o uso de tecnologia pode transformar o ensino, introduzindo um novo modelo de aprendizagem e servindo como alavanca, de forma que os alunos se vejam como aprendizes permanentes.
- A educação híbrida, particularmente após a pandemia, deve se tornar uma aliada potente da Educação Básica, em especial nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, possibilitando a ampliação de carga horária e a redução de desigualdades/defasagens, uma forma de continuar com a implementação dos currículos, forte colaborador para aprendizagem criativa e individualizada.
- É fundamental preservar a autonomia de cada escola. Assim, cada unidade escolar deverá apresentar o seu projeto pedagógico, identificando seus meios de comunicação remota com os estudantes no contexto de suas famílias e os instrumentos de avaliação a serem utilizados na etapa presencial e na remota, assim como a sua vinculação com a BNCC e com os referenciais das avaliações em larga escala no Brasil.
- Os 200 dias letivos devem ser preservados, identificando-se as etapas presenciais e remotas, mas sem a fixação de percentuais para as aulas em uma ou na outra modalidade. A jornada diária de 4 horas pode ser estendida para 6 horas de efetivo trabalho escolar, combinadas entre as etapas presenciais e remotas, totalizando 1.200 horas de escolarização por ano.
Um ponto notadamente relevante nessa discussão é que as atividades a serem desenvolvidas no espaço físico da escola – nas quais parte dos alunos participa das aulas na sala de aula e parte as assiste em casa – não caracterizam a educação híbrida propriamente dita. Elas não estão incluídas na definição de educação híbrida, pelo fato de que há uma porcentagem de alunos frequentando a escola enquanto outro percentual estará em casa, uma modalidade de ensino que é considerada apenas a mescla de ensino remoto com presencial. Na verdade, a educação híbrida pressupõe a combinação entre ensino e aprendizagem presenciais e ensino e aprendizagem remotos.
Constatei que um dos itens mais importantes em todo o debate é que pensar na organização de diretrizes e normas para o país inteiro é muito complexo, visto que temos muitas discrepâncias e interesses diferentes em realidades muito desiguais: escolas ‘de ponta’ discutem, com certa propriedade, o uso de tecnologias e metodologias avançadas para uma educação híbrida de excelência, enquanto representantes das escolas públicas – principalmente as das redes municipais, que atendem crianças com idades mais baixas (Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental) – nos lembram que uma parcela significativa de seus alunos e professores não têm internet em casa e nem equipamentos compatíveis com as novas metodologias apresentadas. Ainda há muito para ser analisado até que possamos ter a regulamentação de uma educação híbrida que favoreça a equidade e a inclusão. Os desafios são enormes e complexos, mas a vontade e a disposição dos educadores brasileiros me enchem de esperança de que vale a pena continuar sonhando por uma educação para todos, mais justa, mais igualitária e de alta qualidade.
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