Sem uma gestão profissional, a escola corre o risco de desaparecer

Planejamento, organização e possibilidade de mudanças de rotas podem melhorar a motivação, o engajamento e o desempenho dos professores, e, consequentemente, a aprendizagem dos alunos

  • Por Renato Casagrande
  • 19/05/2021 15h26
Estadão Conteúdo - 12/08/2020 Sala de aulas em escola de São Paulo com retroprojetor, carteiras (separadas com distanciamento apropriado) e um monitor; mulher passa pela sala Muitas escolas que até pouco tempo tinham uma gestão amadora estão rapidamente alterando suas práticas

Sabemos que a pandemia tem afetado praticamente todas as instituições e pessoas. Na educação, o impacto é enorme. Desde a implantação da educação remota e híbrida, passando por novas formas de comunicação e relacionamento com as famílias, a emergência sanitária que vivemos atingiu diretamente os modos e abordagens da gestão educacional. Muitas instituições que até pouco tempo tinham uma gestão amadora, pouco profissional, estão rapidamente alterando suas práticas e implantando novos processos e indicadores para conseguir acompanhar as rápidas mudanças que ocorrem no cenário educacional. Por que tratar da profissionalização da gestão em tempos de pandemia? O que esse fator pode contribuir com a implantação da educação híbrida? Experiências têm nos mostrado que instituições que não têm um bom índice de profissionalização encontram sérias dificuldades na implantação de qualquer novo projeto ou programa. A profissionalização da gestão contribui para que novas estratégias sejam executadas em um terreno fértil e seguro. 

A profissionalização pode ser comparada com a estrutura de um prédio que precisa de reformas ou ampliação. Quando essa estrutura é inconsistente, há grandes possibilidades de todo o trabalho a ser realizado nessa reforma ou ampliação não obter êxito e, o que é pior, levar o prédio ou construção à ruína. Abordar o tema da gestão profissional das escolas causa, muitas vezes, certo desconforto, geralmente associado à falta de informação, de preparo ou preconceito dos gestores e educadores. Na gestão de qualquer organização, temos duas grandes dimensões. A primeira é instrumental e utilitarista, enquanto a segunda é política. Na instrumental, temos os métodos, técnicas e práticas. Na política, há os interesses e o poder, conflitantes, integrados e em confronto mutuamente.

Se considerarmos apenas o primeiro aspecto, iremos de encontro às atividades fins da escola, que são o desenvolvimento de pensamento crítico e da formação plena do cidadão. Uma gestão meramente técnica ou instrumental elimina a possibilidade de grandes reflexões, discussões e conflitos, que são extremamente importantes e fundamentais para o desenvolvimento do ser humano, seja o aluno, professor ou qualquer agente educacional. Se levarmos em conta apenas os aspectos conceituais e políticos, corremos o risco de não avançarmos, de realizarmos trabalhos incansáveis e com pouca efetividade e eficácia. Isso pode levar as pessoas à descrença, ao desânimo, à desmotivação, visto que há pouca realização no trabalho desenvolvido.

Assim, acreditamos que a gestão deve levar em conta as duas dimensões. Nenhuma delas deve suplantar a outra. É preciso se voltar aos elementos de aplicação, ao uso adequado de ferramentas e metodologias de gestão, de metodologias adequadas para a realização do planejamento, da organização das atividades, da implantação de mecanismos de controle e na realização de ações para que haja avanços e desenvolvimento da organização. Também devem-se levar em conta as questões subjetivas que não são traduzidas pelas metas explícitas nem por planos de ação estruturados. A gestão precisa contribuir para que a instituição seja um espaço político, onde possa haver o encontro e convergência de diferentes interesses em distintos graus de legitimidade de todos os agentes envolvidos. 

A profissionalização da gestão escolar passa pela observação de todas essas questões, permitindo que as instituições implantem estratégias, processos e procedimentos que venham contribuir com a realização e execução de um planejamento eficaz, de uma organização pertinente com a nova realidade da escola, com a distribuição clara dos papéis e funções dos agentes educacionais e da criação de mecanismos de acompanhamento, com a implantação de indicadores de gestão que contribuem para a melhoria dos resultados educacionais. Tudo isso deve ser estudado, refletido, discutido e debatido amplamente com a comunidade escolar. Os gestores, ao utilizarem metodologias adequadas para melhorar o desempenho da escola, amenizam o trabalho árduo dos professores. Há muitos estudos que demonstram que uma escola com planejamento, organização adequada, meios de acompanhamento e possiblidades de mudanças rápidas de rotas e alternativas tem possibilidades de melhorar a motivação, o engajamento e o desempenho dos professores, e, consequentemente, a aprendizagem dos alunos.

A seguir, apresentamos alguns fatores que devem ser levados em conta por parte dos gestores no processo de profissionalização da gestão escolar, reforçando que isso precisa ocorrer de forma gradativa e consistente, sempre com um programa de formação dos gestores e das equipes técnicas das instituições educacionais e das mantenedoras, com uma equipe de suporte técnico e emocional. Uma instituição educacional profissionalizada, pública ou privada, apresenta, entre tantos aspectos, alguns que destacamos para exemplificar o que pode ser considerada a profissionalização da gestão escolar. 

  1. A instituição tem uma estratégia clara para atingir a sua visão de futuro. Trabalha orientada por um diagnóstico preciso, tanto interno (pontos fortes e fracos) como externo (ameaças e oportunidades), com base em um planejamento que tenha clareza dos objetivos e metas a serem atingidos; 
  2. A instituição tem um plano de comunicação bem definido, tem uma política de gestão de imagem e ações planejadas de comunicação institucional. Também tem ações consistentes de comunicação digital e offline; 
  3. A instituição tem conhecimento e trabalha de acordo com o que preconiza o direito educacional nas relações entre escola, aluno e família. Tem conhecimento das normas legais educacionais, da legislação trabalhista e trabalha de acordo com o que elas preconizam;
  4. A instituição tem uma política clara de manutenção e conservação de sua infraestrutura física e material, tem setores informatizados e trabalha com informações gerenciais; 
  5. As reuniões de equipe são claras e objetivas, com pautas bem definidas, e a tomada de decisão é calcada em informações disponíveis ou mapeadas pela instituição, propiciando um bom sistema de informações gerenciais;
  6. Há a participação ativa da comunidade escolar nas decisões e projetos institucionais, e também política de relacionamento com alunos e pais sobre os aspectos estratégicos (decisões que afetam o futuro da escola), operacionais (cotidiano escolar) e pedagógicos (aprendizagem e comportamento dos educandos);
  7. Os gestores pedagógicos acompanham as atividades realizadas pelos professores em sala de aula. Existe um processo de autoavaliação institucional formal de todos os envolvidos no processo de ensino e aprendizagem (professores, coordenadores etc.). Há uma gestão efetiva das práticas pedagógicas realizadas pelos professores;
  8. Há clareza nos aspectos que constituem a cultura organizacional da escola ou do sistema educacional (crenças, valores, atitudes, símbolos). Existe uma política de valorização de pessoal na instituição, ou seja, funcionários são reconhecidos, motivados e, quando possível, promovidos. Há políticas de clima organizacional, e as pessoas são incentivadas a “vestir a camisa da instituição”;
  9. Existe uma proposta pedagógica implantada na instituição com conhecimento e envolvimento de todos os agentes participantes do processo de ensino e aprendizagem;
  10. Há na instituição uma espécie de compliance, que pode ser definido como o conjunto de disciplinas, políticas e diretrizes que orientam as pessoas para que suas relações pessoais e suas atividades profissionais estejam de acordo com princípios éticos, de respeito e valorização das pessoas e com o cumprimento de normas e regulamentações. Além do conjunto de princípios, é preciso que a instituição adote ações concretas e precisas de intervenção quando do não cumprimento do estabelecido. 

Por fim, lembramos que as instituições educacionais são diferentes da maioria das organizações. Elas trabalham com um olhar constante e crítico dos pais e das famílias, e são avaliadas pelo governo e pela sociedade. Assim, cada vez mais, sobra pouco espaço para uma gestão amadora, pautada simplesmente pela intuição. É preciso que se implante em nossas instituições o que nos Estados Unidos é chamado de accountability, uma espécie de prestação de contas. Para que, de fato, isso ocorra, é preciso que mecanismos de planejamento, organização, direção e controle forneçam informações fidedignas e resultados efetivos, vindos principalmente de uma gestão ágil, competente e profissional.  

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