Rodrigo Constantino: Não é questão de ideologia, é questão de vergonha na cara
Sou daqueles que costumam pensar que quem repete que “direita” e “esquerda” são conceitos ultrapassados normalmente é um “isentão” de esquerda. Não fujo da raia ao me assumir de direita, um liberal com viés conservador. Existem, afinal, certos princípios e valores de determinam a doutrina política, a visão de mundo de alguém. Há um grau não desprezível de flexibilidade, claro, mas ele não é infinito. Rótulos servem para simplificar, o que é sempre um perigo. Mas sem eles a compreensão fica ainda pior.
Se eu defendo o livre mercado, governo limitado, império das leis, pluralidade de ideias, globalização, valores morais mais tradicionais, a importância do legado cristão para a civilização ocidental etc, isso me coloca dentro de certo grupo com parâmetros razoavelmente delimitados, e que poderia ser chamado de liberalismo-conservador. E tais valores estão associados à direita, é fato.
Dito isso, o caso brasileiro talvez seja sui generis mesmo. No Brasil faz menos sentido, talvez, falar em direita e esquerda, quando tantos se mostram apenas adeptos do “jeitinho” e da “malandragem”. Penso nisso ao ver os grupos distintos dentro do establishment que lutam contra as reformas estruturais de que necessitamos para estancar a sangria fiscal. E resgato um trecho de Carlos Lacerda, que era acusado de “direitista” mas que não ligava para isso, justamente sobre essa questão:
Não nos falem de “direita” ou de “esquerda”. Os donos do Brasil são ambidestros. Não há incompatibilidade maior entre “esquerda” e “direita”, como já foi demonstrado no mundo em geral e, em particular, no Brasil. O submundo tosco de ideias e refinadamente intuitivo dos caudilhos não conhece direita nem esquerda, senão como rótulos. O que lhes importa é o Poder, o uso pessoal dele, para enriquecer, para afogar suas inferioridade no ódio, na cobiça, na deslumbrada mediocridade do espanto de se verem tão alto – sem saber como nem para que.
O Brasil tornou-se propriedade de uma casta, que hoje se disfarça de socialisteira como ontem de fascista, mas na realidade é uma casta de incapazes e desonestos profissionais da demagogia, a patronal e a operária, a falar de reformas que não faz porque não quer e porque, se quisesse, não saberia fazer honestamente.
O que sei é que o problema básico deste país me parece de uma extrema singeleza. Não é uma questão de ideologia, é uma questão de vergonha na cara.
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