Rodrigo Constantino: Se não há mais confiança no Congresso, a democracia corre perigo
Pressão popular pode ser algo fantástico, como pode ser um perigo. Normalmente serve para protesto a algo específico, como no impeachment de Dilma, por exemplo. Mas para governar, o buraco é mais embaixo. O motivo é simples: multidão nas ruas costuma ser melhor como pedra do que como construtor de pontes. Para detonar um inimigo comum, o povo se junta e grita. Mas para aprovar reformas? Os que celebraram o sucesso das manifestações a favor do governo estão prontos para sustentar que a imensa maioria nas ruas sabe mesmo da importância da reforma previdenciária proposta por Paulo Guedes e sua equipe? Adoraria acreditar que sim, mas peço vênia aos mais empolgados para manter meu saudável ceticismo conservador.
Gustave Le Bon, em seu livro sobre a “Psicologia das multidões”, escreveu: “Uma massa é como um selvagem; não está preparada para admitir que algo possa ficar entre seu desejo e a realização deste desejo. Ela forma um único ser e fica sujeita à lei de unidade mental das massas. Como tudo pertence ao campo dos sentimentos, o mais eminente dos homens dificilmente supera o padrão dos indivíduos mais ordinários. Eles não podem nunca realizar atos que demandem elevado grau de inteligência. Em massas, é a estupidez, não a inteligência que é acumulada. O sentimento de responsabilidade que sempre controla os indivíduos desaparece completamente. Todos os sentimentos e atos são contagiosos. O homem desce diversos degraus na escada da civilização. Isoladamente, ele pode ser um indivíduo; na massa, ele é um bárbaro, isto é, uma criatura agindo por instinto”.
É verdade que o preço da liberdade é a eterna vigilância, mas alguém acha mesmo possível ou desejável que “o povo” permaneça nas ruas durante todo um governo? Esses atos miraram na reforma previdenciária para apertar o tal centrão, ok: e o que vem depois? A cada proposta de mudança teremos novos atos?
A democracia representativa serve justamente para isso. Se não há mais confiança no Congresso, tido como essencialmente corrupto, então é a própria democracia que corre perigo. Achar que um líder “amado pelo povo” que use a pressão constante das ruas representa um bom substituto para um parlamento eleito é cair em uma perigosa falácia.
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