Tunísia quer liderar também a “primavera arco-íris” no mundo árabe

  • Por Agencia EFE
  • 05/06/2015 06h45

Miguel Albarracín e Javier Martín.

Túnis 5 jun (EFE).- Ahmed, 30 anos, empresário tunisiano do setor têxtil, casado e com duas crianças, pede como única condição que seu verdadeiro nome não fique associado à homossexualidade, em um país onde esta condição “é mais comum do que se acredita”.

Ao contrário de muitos adolescentes de seu país, que experimentam o sexo em uma sociedade infestada de repressão e tabus, ele teve claro desde pequeno que preferia os homens.

“Foi muito duro. Sentia-me diferente, com medo. Não sabia com quem conversar. Se meu pai soubesse poderia me expulsar de casa ou me matar”, explicou à Agência Efe em um café de Golette, cidade do litoral da Tunísia.

“Com 17 anos conheci um menino na praia. Nos entendemos só pelo olhar. Era mais velho e me apresentou a um mundo secreto que não imaginava existir. Há centenas de homens como eu, casados com mulheres e com filhos para evitar que digam algo”, desabafou.

A tarde cai sobre o azul do Mediterrâneo e Ahmed esboça um estranho sorriso ao ser perguntado pela controvertida associação de apoio às minorias sociais “Shams” (Sol), que há duas semanas obteve permissão legal para desenvolver suas atividades em Túnis, algo impensável há cinco anos.

“É uma boa notícia, algo assim como uma primavera. Um grande avanço nos direitos, mas ainda falta muito”, advertiu.

Na mesma linha se expressou Badija, uma jovem universitária que diz ser assumidamente lésbica, mas que também não quer que saibam seu sobrenome.

“A homossexualidade feminina está muito estendida no mundo árabe. Mais do que se acredita. Embora tenhamos os mesmos problemas com as aparências, nós nos sentimos mais abandonadas”, afirmou.

A legalização de “Shams” sacudiu e polarizou a sociedade tunisiana, até agora a que melhor superou o trauma que as “primaveras árabes” representaram em 2011.

Ao contrário que em outros países, onde agoniza, a transição para uma sociedade de direitos avança lentamente na Tunísia, apesar de obstáculos como a emergência do jihadismo e as dificuldades econômicas.

Uma sociedade em transformação onde a religião, submissa durante anos ao pretenso laicismo da ditadura deposta, também aproveitou a revolta para conquistar espaços.

Logo após a legalização ser confirmada, o mufti, Hamad Said, máxima autoridade religiosa da República, afirmou que significava “um grave atentado contra os valores do Islã, dos muçulmanos e dos fundamentos da sociedade tunisiana”.

“Defende valores que fazem o homem retroceder à pré-história e às praticas imorais de (as cidades bíblicas de) Sodoma e Gomorra”, afirmou o clérigo, que pediu para o governo “revisar a decisão”.

Uma proposta apoiada por Rachid Ganouchi, fundador e líder intelectual do partido islamita moderado An Nahda, que durante três anos pilotou a transição com outras forças.

“É uma transgressão da lei tunisiana que criminaliza a homossexualidade. A Constituição e a religião garantem a liberdade e a vida privada, mas criar uma associação para defender a homossexualidade é outra coisa”, afirmou Ganouchi na rádio.

A campanha contra a legalização da “Shams” foi lançada, no entanto, por um coletivo social: a Associação para a Promoção da Juventude na Tunísia (APJT), que denunciou a entidade na segunda-feira à justiça.

Em entrevista à imprensa, o presidente da APJT, Mohammed Amine Kouki, afirmou que “atenta contra a Constituição e contra o decreto lei que regula as associações”.

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“O Estado proíbe o homossexualidade”, ressaltou, citando o artigo 230 do código penal que estabelece penas de três anos de prisão para os culpados de sodomia e lesbianismo.

“Não é só um problema religioso, é muro social e de tradição em uma sociedade onde a homossexualidade é pecado e motivo de vergonha familiar. Existe um enorme desconhecimento e hipocrisia porque é algo que todo mundo conhece, mas que ninguém quer falar publicamente”, insistiu Ahmed.

Diante da crescente polêmica, o governo emitiu um comunicado que afirmou que a “Shams” não promove a homossexualidade.

“A associação só propõe defender minorias sexuais em nível moral, psicológico e material, sensibilizar os cidadãos dos riscos das doenças sexualmente transmissíveis e trabalhar de forma pacífica pela abolição de leis discriminatórias contra as minorias sexuais”, argumentou.

“O respeito à integridade física e a moral pessoal são um direito garantido pela nova Constituição” tunisiana, defenderam escritores como Gilber Naccache e Sophie Bessis.

Por isso, pediram ao Executivo que vá inclusive além: “que reforme o código penal para adaptá-lo ao espírito constitucional” e conseguir que a Tunísia lidere outra primavera, desta vez sob as cores do arco-íris. EFE

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