Uruguai rejeita mito de “país sem índios”
María Sanz.
Montevidéu, 25 mai (EFE).- No Uruguai, país que se considera o único da América Latina sem população indígena, grupos de ativistas reivindicam que os povos originais nunca se extinguiram, e 5% da população se declara descendente dos primeiros habitantes do território.
“A ideia do extermínio total dos charruas é uma falácia”, disse em entrevista à Agência Efe Enrique Auyanet, que representa o Conselho da Nação Charrua (Conacha) perante a comissão contra o racismo e a discriminação do governo uruguaio.
Os charruas formaram a etnia indígena predominante no Uruguai. Formados por um conjunto de povos como os yaros, os chanás, e os guenoas-minuanos, habitaram os territórios do atual Uruguai antes da chegada dos primeiros europeus.
Em 11 de abril de 1831, as tropas comandadas pelo general Fructuoso Rivera, o primeiro presidente da República do Uruguai, iniciaram um massacre de índios charruas nas proximidades do arroio Salsipuedes, no limite entre os departamentos uruguaios de Tacuarembó e Paysandú (centro e oeste do país).
“O Estado uruguaio foi fundado por meio de um genocídio”, afirmou à Efe Mónica Michelena, membro da Conacha e que foi nomeada recentemente assessora da Unidade Étnico-Racial do Ministério das Relações Exteriores uruguaio.
A história oficial diz que os indígenas foram totalmente exterminados em Salsipuedes. Os quatro últimos membros da etnia foram transferidos para a França para serem estudados “quase como peças de museu”, segundo Auyanet.
Para o ativista, o afã de controlar e explorar economicamente o território, e a ideia de que o progresso de uma nação estava associado à ausência de índios impulsionaram o massacre de Salsipuedes, mas na batalha houve sobreviventes.
Segundo o censo oficial de 2011, cerca de 160 mil uruguaios declararam ter ascendência indígena. Isso representa quase 5% da população do país, de 3,395 milhões de habitantes. Por sua vez, 255 mil uruguaios se identificaram como afrodescendentes, 15 mil como asiáticos, e quase três milhões declararam ter ascendência branca, em sua maioria procedente de imigrantes europeus vindos da Espanha ou Itália.
O número de indígenas é baixo com relação a outros países da região. Na Bolívia, por exemplo, 40% dos moradores se identificam como membros de uma das 36 etnias reconhecidas na Constituição de 2009.
A comparação com outros países da região não é por acaso. O Uruguai e as Guianas são os únicos países da América Latina que não assinaram o convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que compreende especificamente os direitos dos povos indígenas e tribais.
No “Fórum Convênio 169 da OIT: Avanços para a sua Implementação no Uruguai”, realizado em abril, representantes do Ministério de Desenvolvimento Social expressaram sua “firme convicção” para que o Uruguai assine o tratado.
O convênio foi ratificado por 22 países, a maior parte deles localizados na América Latina, e reconhece o direito às formas próprias de desenvolvimento dos povos originais e as garantias para a auto-identificação como indígenas. Nele, também se estabelece a obrigatoriedade de consultar os nativos perante ações que possam interferir em seus territórios, e permite a proteção de seus locais sagrados.
“O Uruguai não assina o convênio por medo das possíveis reivindicações territoriais, algo que nunca esteve nas reivindicações dos charruas”, muitas das quais são de caráter cultural, acredita Auyanet.
“A cultura charrua ficou invisível, e existe o medo que os charruas não deixaram nada no Uruguai, porque não ergueram templos como os incas ou os maias”, lembrou.
No entanto, os índios transferiram à sociedade uruguaia valores como a solidariedade, a horizontalidade e o valor da palavra dada, já que, como explica Mónica, “careciam de estruturas hierárquicas e tudo era decido em assembleias”.
Além disso, muitas das tradições atribuídas aos gaúchos derivariam dos indígenas, como o churrasco de carne na grelha ou o chá de erva-mate, cujo consumo era um ritual dos charruas.
“Os gaúchos não são outra coisa que indígenas que, perseguidos pelo governo da época, optaram por se camuflar e se misturar com o resto da população”, garantiu Auyanet.
Para o ativista, o renovado interesse dos uruguaios atuais pelo campo, a conservação da natureza e o desenvolvimento sustentável, são uma reminiscência de seus ancestrais indígenas que lutam para continuar existindo.
“Mas os charruas não estamos emergindo agora. Nós sempre estivemos aqui”, concluiu. EFE
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