Zhou, o líder da Praça da Paz Celestial que entrou na China 25 anos depois

  • Por Agencia EFE
  • 14/06/2014 10h32

Tamara Gil.

Pequim, 14 jun (EFE).- Há 25 anos, Zhou era o quinto da lista dos “mais procurados” pela polícia chinesa. A luta como líder estudantil nas revoltas de 1989 custou a ele um ano de prisão e, depois, o exílio. Agora conseguiu entrar em Pequim por algumas horas: o novo visto de 72 horas abriu essa porta.

“Para mim, era uma obrigação voltar à Praça da Paz Celestial”. Zhou Fengsuo conversou com a Agência Efe de sua casa na Califórnia, logo depois de voltar de sua viagem secreta a Pequim para comemorar o 25º aniversário das revoltas que terminaram com um rastro de mortes em 1989.

Ninguém sabia da visita. O chinês não queria correr riscos e não sabia se conseguiria. No entanto, para sua surpresa, conseguiu entrar em Pequim com o passaporte de nacionalidade americana e se deslocar “livremente” por 30 horas graças à nova permissão aprovada pelo governo chinês em várias cidades do país que permitem visitas de no máximo 72 horas sem visto prévio.

“Nunca pedi um visto. Sabendo dessa oportunidade da escala de 72 horas, não quis correr o risco de pedir. Depois de em 2010 deixar claro que se voltasse à China falaria do massacre em público, não teriam concedido”, explicou Zhou.

O novo serviço, que pretende ampliar o turismo, deu a Zhou a chance de comemorar os protestos liderados por ele há mais de duas décadas e honrar as vítimas do massacre de centenas de cidadãos que encerraram violentamente as manifestações em seu ponto de partida, a Praça da Paz Celestial.

Apesar do forte controle montado às vésperas da data, 4 de junho, Zhou conseguiu visitar lugares icônicos para o movimento democrático de 1989 e até um centro de detenção da capital onde uma multidão de dissidentes foi presa antes da data do aniversário.

“Queria mostrar minha solidariedade”, contou Zhou à Efe, em referência a personalidades como o advogado Pu Zhiqiang e a jornalista Gao Yu, para quem tentou deixar dinheiro na prisão, sem sucesso.

Zhou contou que não tremeu quando teve que mostrar seu passaporte para entrar no centro de detenção. Nem em sua chegada ao hotel, quando teve que se registrar. Em nenhum momento se escondeu das autoridades e, mesmo assim, elas demoraram a encontrá-lo.

Enquanto o governo blindava a praça com militares e policiais, o ex-líder conseguiu fazer um percurso por seu passado, começando pela Universidade de Tsinghua de Pequim, onde tudo começou para o então estudante de física de 21 anos.

“Vi uma universidade repleta de policiais e oferendas de flores no que foi um monumento aos mortos da Praça da Paz Celestial”, contou Zhou.

Na noite do dia 3 para o dia 4, quando aconteceram os brutais assassinatos pelas mãos do exército chinês, Zhou passeou de carro pelos arredores da praça na qual ele, inspirado pela Declaração da Independência dos EUA, discursava em 1989 pela liberdade, e depois foi à ponte de Muxidi, onde começaram os primeiros disparos.

“Vi muitos grupos de agentes na praça parando transeuntes e carros, mas também vi pessoas que, como eu, vestiam preto em memória às vítimas”, lembrou Zhou, que não gritou palavras de ordem em público para não ser detido.

No entanto, a polícia já o esperava no hotel. “Revistaram meu quarto com o argumento de que procuravam drogas. Fiquei na delegacia até as cinco da tarde antes de ser devolvido ao exílio”.

Zhou aproveitou esse tempo para falar com os policiais, a quem relatou toda sua viagem e, inclusive, conseguiu arrancar algumas palavras de um dos agentes. “Era uma época pacífica em Pequim”, comentou o oficial que relembrou o final dos anos 80.

“E era”, diz agora Zhou, que garantiu que o espírito da Praça da Paz Celestial continua muito vivo na China.

“Nossa mensagem não se perdeu”, afirmou Zhou, ao destacar que algumas de suas principais reivindicações daquela época – liberdade de imprensa, cumprimento da lei, publicação dos bens dos líderes – ainda não são realidade na China de hoje.

O ex-líder destacou o papel de partidos recentes como o Movimento Novo Cidadão, que pede que o regime cumpra os direitos civis estabelecidos na Constituição e que publique o patrimônio dos políticos.

“É exatamente a mesma ideia que tínhamos”, destacou Zhou, que considera que o sistema continua sendo “um câncer”: “A situação não pode continuar assim para sempre”, sentenciou.

Por enquanto, sua visita evidencia que o sistema não está totalmente blindado: “Apesar de aterrorizarem o povo, eu consegui estar ali. Espero que mais pessoas sigam meu exemplo”, sugeriu. EFE

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