Brincadeiras impulsionam a criatividade e o raciocínio das crianças
O desenvolvimento infantil é explorado desde cedo por meio de atividades divertidas
Todas as brincadeiras colocam o espaço físico e os objetos em relação com o corpo da criança. Criança precisa de movimento e de condição de exploração para descobrir sobre todo o potencial do seu corpo e sobre tudo que a rodeia.
A variedade é importante de um lado, mas ela precisa também ter a condição de repetir a sua ação e de frequentar a mesma situação, ambiente, relação. Assim, os gestos, as posturas, as habilidades motoras, o equilíbrio e a coordenação vão se organizando, fluindo com mais segurança e se ampliando e se diversificando.
Criança precisa de obstáculos, de dificuldades e até mesmo de correr riscos, limitados a uma segurança básica, claro. Ambientes constantes, uniformes e muito protegidos, assépticos até, não favorecem a descoberta das novidades e da própria capacidade de lidar com elas.
Direito de brincar
Há um movimento atual bem forte para a defesa do direito de a criança brincar livremente, de poder usufruir de espaços abertos e seguros para se expandir e mesmo a defesa da necessidade de a criança se arriscar mais, aprendendo a lidar com o ambiente físico e social e assim se desenvolver em todos os sentidos. Não há como negar que estas condições de desenvolvimento estão ameaçadas para as crianças mais carentes e são muito precárias no meio urbano para todas elas.
O brincar é uma atividade essencial para o desenvolvimento humano e, por isso, ele deve ser entendido como um direito de toda criança. Cabe aos adultos tomarem consciência desse fato e fazer valer este direito essencial para a saúde física, mental e emocional da criança.
Tempo e espaço para brincar, locais públicos adequados e com equipamentos lúdicos de qualidade, maior atenção para a formação lúdica de educadores, profissionais da saúde e de outras áreas que se ocupam com a infância são os meios concretos para a realização do direito de brincar.
Sequência temporal para o bebê
Equívoco se pensar que o bebê não compara, classifica ou faz sequência temporal. Ele já faz tudo isso, só que sempre com base no próprio corpo. Com as suas sensações e movimentos, ele vai organizando os eventos básicos de sua vida, que para ele são a alimentação, o sono, o banho, o dormir, o toque aconchegante na relação com os seus cuidadores, com seus brinquedos de apego.
Ele vai percebendo as rotinas, o ritmo do dia, e vai criando pequenas sequências temporais e espaciais, começa a esperar o que vai acontecer. Por exemplo, quando ele ouve os sons da preparação do alimento, a colher batendo na panela ou no prato, já sabe que a hora da comida está chegando. Depois do banho e da mamada, sabe que vai ter historinha, cantigas e que está chegando a hora de dormir.
A inteligência se desenvolve desde o nascimento, com características e por meios diferentes. A lógica se estrutura primeiro no corpo, depois na imaginação, até chegar ao raciocínio abstrato e generalista que permite lidar com muitas informações ao mesmo tempo e elaborar relações na base das hipóteses, deduções e inferências. Não há como se apressar este processo, cada fase precisa ser intensamente vivida para sustentar bem as próximas aquisições.
Realidades por imagens
Quando crianças muito pequenas são expostas a estímulos de imagens (na TV, nos joguinhos de tablets, por exemplo) e, ao mesmo tempo, diminuem muito a exploração física do ambiente, como é bem comum atualmente, entendo que isso não está ajudando a construção do pensamento lógico. A criança fica sem uma referência concreta daquilo que está sendo representado, porque essa realidade por imagens não foi construída primeiro no corpo.
As crianças modernas ficam muito restritas na exploração do meio ambiente e do próprio corpo por questões da vida urbana e da organização atual da vida familiar. Tomar consciência disso para criar alternativas, dentro das possibilidades dos pais, é o primeiro passo.
Não incentivo o uso de brinquedos e jogos ditos educativos, porque a relação da criança com os objetos que é importante. Às vezes, pode haver superestimulação, se tornando uma cobrança para a criança. A criança sabe o que é bom para ela e, se a deixarmos à vontade para explorar e aprender, ela irá procurar o que faz sentido para ela, a seu tempo e hora.
Espaço para explorar a criatividade
Crianças são criativas na medida em que podem se expressar livremente, sem pressões e constrangimentos do ambiente. Às vezes, os adultos e as circunstâncias de vida da criança tornam isso difícil e ela irá se adaptar a um meio menos receptivo a sua espontaneidade de expressão, fechando-se e modificando a sua personalidade.
Ela poderá adotar rigidez de posturas, pensamento estereotipado, desinteresse pelo conhecimento e pelas relações humanas, até fazer uma inibição cognitiva, para se proteger do ambiente. Não me refiro a patologias mais extensas e graves, e sim de crianças que não conseguem ser espontâneas e que abandonaram sua autenticidade, repetindo fórmulas prontas.
Criatividade é movimento, mudança, transformação, é a capacidade de transformar os fatos objetivos e atribuir significação à vida e ao mundo; é poder perceber o mundo de modo singular e poder colocar suas marcas únicas no mundo. Viver de forma criativa consiste em transformar, criar, imaginar, como meios simbólicos que permeiam a relação com a realidade, e isso é essencial para a saúde mental, não só das crianças, mas dos adultos também.
Nesse sentido, a relação criativa com o mundo se prolonga pela vida afora e irá se deslocar da brincadeira para a cultura em geral, para o interesse e a produção nas ciências, esportes, artes, religião, atividades profissionais, todas as manifestações culturais, enfim.
Criatividade infantil não é fugir da realidade, pelo contrário, é estar bem ligado a ela. Nós, adultos, é que “viajamos” em nossos devaneios. A criança, quando brinca, se mantém o tempo todo nessa relação dentro-fora, realidade-imaginação. Se o adulto que brinca com ela exagerar na fantasia, a criança logo avisa: “É só de ‘mentirinha!’”. Ela sabe o limite.
Por Maria Celia Malta Campos
É pedagoga, doutorou-se em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento e atua como psicopedagoga clínica. É organizadora do livro “Oficina de jogos e construção de conhecimentos” (Wak Editora)
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