Descubra a importância da escuta emocional na educação escolar
Emoções interferem no processo de aprendizagem e devem ser observadas durante o período escolar
Conjugando ideias de Piaget e Vygotsky, António Damásio, neurocientista português, afirma que as emoções e a razão não são elementos completamente dissociados, como propôs Descartes. Até hoje, o senso comum é que a razão é o contrário da emoção. Entretanto, o neurocientista mostra, em seus trabalhos, que pessoas as quais possuem alguma deficiência na região do cérebro responsável pelas emoções apresentam dificuldades de aprendizado.
Emoções no processo de aprendizagem
As emoções, fundamentais no processo de aprendizagem, geram sentimentos, atos racionais, que são utilizados para aprender, configurando-se como as iniciadoras do processo. Por longo tempo, o componente emocional tem sido descuidado na educação institucionalizada. As contribuições científicas recentes auxiliam na resolução dessa deficiência, uma vez que revelam e comprovam a dimensão emocional do aprendizado.
As crianças e os educadores estão sempre envolvidos em emoções. Uma aula bem-humorada promove bem-estar físico, psicológico, afetivo, seguro, liberando neurotransmissores favoráveis à aprendizagem. As emoções básicas, como prazer, tristeza, raiva, medo, amor e alegria, têm uma enorme escala de variação, por exemplo: o prazer pode variar da satisfação ao êxtase; a tristeza, do desapontamento ao desespero; o medo, da timidez ao temor; a raiva, do descontentamento ao ódio. Elas podem ser percebidas em sala de aula, basta um olhar.
A ida à escola de uma criança, no geral, une alegria e ansiedade, seja para ela ou mesmo para seus pais. As reações infantis são variadas, frequentemente apresentando um ataque agudo de ansiedade, um estado emocional que provém do medo. Isso porque, quando forçada a enfrentar uma determinada situação, a criança se sente ameaçada, provocando o medo irracional e incontrolável. Tal quadro pode levar a reações imprevisíveis de fuga, agressão ou autoagressão, dando início a um comportamento fóbico, que pode desencadear um estado de fobia, considerado um sinal de alerta para o aparelho psíquico.
Relação entre cognição e emoção
Processos cognitivos e emocionais quase sempre dirigem o crescimento com sucesso das capacidades cognitivas. A emoção vai dando forma à cognição e à aprendizagem. As crises emocionais, naturais ao desenvolvimento ou específica da criança, vão influenciar, de forma crônica, a evolução dessa mesma aprendizagem. A eficácia emocional da criança se relaciona com a percepção da própria capacidade de lidar, monitorar, manejar e mudar sentimentos adversos que inibem a persistência da busca de um objetivo. Ela pode experimentar sentimentos e pedir ajuda, o que torna um aprendiz mais eficiente.
Importância de resgatar o prazer pelo aprendizado
Educar a emoção é promover a habilidade relacionada com o motivar a si mesmo e persistir mediante frustrações, controlar impulsos, canalizando emoções para situações apropriadas. O papel da escola e do educador é promover eventos que colaborem com a sociabilidade, resgatar o prazer de aprender, propondo desafios, possibilitando a oportunidade de aprender por meio da educação cooperativa, colaborativa, e menos excludente.
Assim, deve-se propor auxiliar a negociação de conflitos, ensinar a assumir responsabilidades por suas ações e seu comportamento. Ao arcar com essas tarefas, a criança passa a não imputar culpa aos outros, melhorando a sua organização intrínseca do self para a condição real de seu desenvolvimento.
Para despertar estas condições, é necessário que o educador entenda a neurobiologia do gatilho emocional que acontece no cérebro da criança, como e quando ele é disparado e por que, muitas vezes, em determinadas situações, a criança perde o controle emocional. O fundamental é compreender que essas reações são saudáveis, por ser um sinal de que seu corpo reage aos estímulos.
O que é o “Transtorno Fóbico Escolar”?
A fobia escolar não está ligada à classe social ou ao coeficiente intelectual, mas pode estar associada à angústia de uma separação da criança ou do pré-adolescente com os seus pais, principalmente a mãe. Há um sentimento de desamparo que não permite à criança raciocinar sobre os fatos, sendo esse o momento em que a ansiedade é desencadeada.
A fobia pode desencadear distúrbios psicossomáticos, tais como cefaleia, diarreia, dores de barriga e outros. No caso do medo, os sintomas são transitórios; logo que o indivíduo se acostuma, desaparece. Assim, a fobia exige um olhar e um tratamento mais específico e elaborado.
Atitudes negativas de determinadas pessoas podem agravar a situação, como forçar a criança a ficar no espaço sem dialogar, ridicularizar os sentimentos, usar chantagens e subornos, ignorar o medo para ver se a criança esquece.
É preciso legitimar os sentimentos da criança
A criança que sofre de Transtorno Fóbico Escolar é tensa, ansiosa e apreensiva, apresenta frequentemente o sentimento de tristeza, depressão, irritabilidade por não conseguir ver solução para a ansiedade que sente. No geral, o sono e as funções executivas – atenção e a memória – são prejudicados.
O corpo apresenta sintomas somáticos devido à excitação do sistema nervoso autônomo, como sudorese, boca seca, pulso rápido, respiração superficial, dor de cabeça, enjoos, podendo também apresentar inquietudes e comportamentos motores sem sentidos. A criança apresenta um medo exagerado de um objeto ou situação específica, muitas vezes desproporcional ao perigo real.
Fobia social escolar
As fobias podem ser classificadas com base no objeto do medo, como cobras e lugares fechados. No caso da escola, considera-se como fobia social escolar, ou seja, é o medo de ser negativamente avaliado pelos outros. Assim, isso inclui o medo de falar em público, de errar os exercícios ao ser chamado no quadro, de ter que ler em voz alta ou até mesmo pela presença do professor ou da professora que não estabelece uma relação de confiança e flexibilidade emocional no processo da aprendizagem cognitiva dos conteúdos curriculares.
Como ocorrem as emoções?
A fobia acontece num processo químico nos circuitos cerebrais. Sendo assim, ocorre nas trocas neuroquímicas entre as células neuronais, numa estrutura que nos protege involuntariamente do perigo, as amígdalas cerebrais. Desde que seja direto e real, é perfeitamente normal se proteger.
Ao sentir-se ameaçada, a criança acelera o metabolismo, antecipando a necessidade iminente de “fugir ou se defender”. O corpo lança uma corrente de hormônios vasoconstritores e aceleradores de frequências cardíaca, entre os quais estão a epinefrina, a norepinefrina e o esteroide cortisol. É uma reação neuroendócrina, puramente fisiológica, que perpassa pelo sistema mental superior para ser interpretada e avaliada sobre o contexto do perigo.
Quando esses hormônios são lançados no corpo, o coração começa a bater mais rápido e mais forte, a pele fica fria e arrepiada, os olhos se dilatam para enxergar melhor e as áreas do cérebro envolvidas na tomada de decisões recebem a informação de que é hora de agir. É nesse momento que entram em ação as amígdalas cerebrais – estruturas responsáveis pelos processamentos das emoções primitivas, do medo e do ódio, amor, raiva e são vizinhas do cérebro límbico-primitivo, tendo também como função de arquivar as memórias emocionais.
Importância da educação social e emocional
O desenvolvimento da educação emocional e social para minimizar os transtonos das fobias escolares se faz necessário. Quem lida com a criança em fase escolar precisa conhecer as ideias relativas à educação dos hemisférios cerebrais, bem como as estruturas funcionais do sistema de recompensa e emocional, a fim de entender de que maneira acontecem as emoções e como são interpretadas em processos psíquicos extremamente subjetivos, associados ao desenvolvimento da prática da escuta emocional da criança no espaço escolar.
Dessa forma, considerando que não há fórmulas mágicas para se obter uma aprendizagem eficiente, o importante é conhecer a realidade da criança, despertar o interesse e reconhecer sua emoção. Trata-se de estabelecer vínculos afetivos e de confiança com objetivo de evitar que o medo transforme-se em uma fobia diante do processo da aprendizagem escolar. Visando a uma perspectiva educacional inovadora, deve-se considerar que o educador estimule os sonhos da criança e, a partir desses, faça metas e objetivos para serem realizados e superados.
O papel do professor no combate ao transtorno
O educador pode minimizar os riscos da fobia escolar no momento da elaboração do seu planejamento e de suas práticas pedagógicas, utilizando-se de recursos e metodologias agradáveis para serem aplicados no processo da aprendizagem, como estimular a observação do ambiente externo, explorar a contação de estórias, a dramatização, o uso dos jogos de palavras, tocar ou escutar algum instrumento musical, permitir o lúdico usando o corpo como ferramenta da aprendizagem cognitiva e usar a criatividade.
É fundamental estabelecer o vínculo de confiança e afetividade na relação da aprendizagem escolar e compreender que os “atrasados” não existem no processo educacional. Cada criança é única dentro dos aspectos cognitivos, emocionais, afetivos e sociais.
Situações às quais os educadores devem estar atentos
Para que a criança goste da escola e transforme as informações em conhecimentos para vida, o educador precisa estar atento as seguintes questões:
- Domínio da linguagem: enfatizando textos, poemas, a oralidade, sistematizando o conhecimento linguístico formal e não formal com a criança;
- Capacidade visual: promovendo a criação com ou sem estímulos visuais, explorando formas, cores, construção de jogos usando o corpo como ferramenta de estímulos;
- Competência auditiva: propondo atividades de criação de sons, intensidade e ritmo, atividades corporais usando a dança, música, permitindo uma coreografia usando fitas, bandeiras, balões, para serem habilmente manejados no ar.
Tornando a escola um local seguro
A escola não pode ser um ambiente autoritário, deve ser renovadora, flexível e com possibilidades para questionamentos. É preciso possibilitar a escuta dos sentimentos e outros estados mentais de si mesmo e do outro, bem como reconhecer que a aula não precisa ser realizada somente dentro da sala convencional. Isso implica permitir um passeio ao ar livre para observar os pássaros, as árvores, a construção do espaço físico da escola, promovendo os conhecimentos alicerçados na Ciência, além de permitir que a criança pense e provoque a reflexão. Quanto mais atividades prazerosas nas práticas pedagógicas forem realizadas no cotidiano escolar, menos fobias escolares e mais os cérebros das crianças agradecerão.
Por Marta Pires Relvas
Membro efetivo da Sociedade Brasileira de Neurociência e Comportamento, Psicanalista, Psicopedagoga, Especialista em Neurofisiologia Humana, Anatomia Humana e Bioética, Didática do Ensino Superior. Professora de Neurociência e Educação de Psicopedagogia e Psicomotricidade. Entre os livros lançados, estão “Neurociência e os Transtornos da Aprendizagem” e “Neurociência na prática pedagógica”, publicados pela Wak Editora.
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