Assembleia Legislativa: a Casa da acomodação

  • Por Nicole Fusco
  • 24/09/2018 10h00 - Atualizado em 24/09/2018 11h19
ALESP Reprodução/ALESP A Assembleia Legislativa de São Paulo, no bairro do Ibirapuera

A cada quatro anos, quando o eleitor é chamado às urnas para renovar os mandatos dos principais cargos políticos do país, os canais de televisões abertas, as rádios e, sobretudo, nos últimos tempos, as redes sociais, são inundados por figuras conhecidas, rostos novos e, muitos, cujos nomes só são lembrados em tempos de campanha: são eles os deputados estaduais. Com direito a verbas de gabinete, quadro de assessores e uma série de benefícios – como transporte com motorista, gastos com combustível e pedágio pagos –, esses parlamentares têm a missão de funcionar como um elo entre o governador do estado e os prefeitos. Também devem fiscalizar as ações do Executivo e ajudar na elaboração de leis estaduais. Mas por que, então, as Assembleias brasileiras são conhecidas há décadas como casas de acomodação e berços de tantos escândalos locais?

Erguida numa região nobre do maior estado da federação, no bairro do Ibirapuera, em 1968, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) é um exemplo de alto custo para pouca produtividade. O gasto anual para manter a Casa foi de 1,1 bilhão de reais no ano passado. O salário de um deputado paulista é de 25,3 mil reais mensais, além de todas as verbas de gabinete. Porém, um olhar detalhado sobre o que se aprovou em plenário e a relevância do que saiu do papel explica a fama de Legislativo inoperante e “carimbador” dos projetos prioritários do Palácio dos Bandeirantes.

“A Alesp vem atuando em prol do governo estadual há mais de 20 anos”, diz Ana Paula Massonetto, doutora em administração pública e governo. Segundo ela, que estuda a atuação da Casa, todos os projetos apresentados pelo governador desde 1995 foram aprovados de forma quase que automática. Ela também explica que existem acordos segundo os quais os deputados estaduais só podem aprovar projetos se forem autorizados pelo governo do estado — e também com o limite de um por ano por parlamentar. “Por mais que um deputado seja muito atuante na proposição de projetos de lei, não necessariamente ele vai conseguir aprová-los”, disse.

O deputado Delegado Olim (PP) também critica a necessidade de acordos com seus pares e com o governador para a aprovação de proposituras. “Podia fazer mais? Podia, mas dentro do limite. Há vários partidos, vários interesses e nem tudo o que você pensa que é para a população, o governo quer que você faça”, disse Olim. O ex-delegado disse que se sente “vitorioso” por ter conseguido aprovar um projeto de lei na Casa, em parceria com o seu par Coronel Telhada (PP). “Muitos estão lá há anos e não conseguiram”.

A mesma dificuldade foi relatada por Geraldo Cruz (PT), que afirma que o Legislativo é “submisso” ao governo estadual. “Minha impressão nesses dois mandatos é que quem pauta a Alesp é o governador. Isso não é bom nem para a democracia nem para quem está atuando”, completa o petista, cujo partido nunca conseguiu alcançar os Bandeirantes — quem chegou mais perto foi José Genoino, em 2002, e Aloizio Mercadante, em 2006.

De acordo com os parlamentares, prova da influência do agora ex-governador, e atual candidato à presidência da República, Geraldo Alckmin (PSDB) — que governou o estado durante três mandatos e durante mais um ano, em 2001, após a morte do então governador Mário Covas, de quem era vice — é a instabilidade que se instalou na Casa desde a sua saída, em abril deste ano. Quando Márcio França (PSB) assumiu o governo, o PSDB passou para a oposição e travou a pauta da Assembleia.

Nem mesmo a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2019, que estabelece as metas e prioridades da administração pública estadual, foi analisada ainda. “O PSDB não quer aprovar os próprios projetos de iniciativa de Alckmin porque alguns ajudariam França, que é candidato à reeleição”, afirma Geraldo Cruz. O candidato tucano ao Palácio dos Bandeirantes é o ex-prefeito da capital paulista João Doria.

No lado fiscalizador, há morosidade e ineficácia. A CPI da Merenda, por exemplo, escândalo no calcanhar de Alckmin não deu em nada. Um dos motivos que levam a isso é o fato de que grande parte dos deputados tem um posicionamento governista, o que leva ao segundo fator: a ausência de uma oposição forte ao governo do estado — o PSOL é o único partido que atua nesse sentido, e com apenas três cadeiras.

“A Alesp só será autônoma quando a população fiscalizar. Aí os deputados serão obrigados a trabalhar em defesa da população e não do governo, do poder econômico, das grandes empresas que têm seus interesses aqui”, criticou Carlos Giannazi (PSOL).

O PT, que tradicionalmente ocupa essa posição na esfera federal, não atua da mesma forma no âmbito estadual. Há vinte e oito anos, o partido ocupa a primeira secretaria da Alesp, cargo mais importante no âmbito administrativo, abaixo apenas do presidente da Casa — desde então, estiveram no cargo, em ordem do mais novo para o mais antigo, Luiz Fernando T. Ferreira, Enio Tatto, Rui Falcão, Carlinhos Almeida, Donisete Braga, Emílio de Souza, Hamilton Pereira e Luiz Carlos da Silva.

“Grande parte dos deputados na Alesp tem um posicionamento governista. Então, se as denúncias são contra o governador, é difícil supor que uma CPI traga um resultado negativo para o Executivo”, afirma Ana Paula Massonetto. Além disso, de acordo com ela, existem várias manobras regimentais que dificultam a instituição de uma comissão. Uma delas é que, quando há uma grave denúncia para ser investigada, os deputados começam a propor um grande número de CPIs, criando uma fila de espera.

“Todas as CPIs mais importantes não foram pra frente nos últimos anos ou, se foram, foram realizadas com o controle absoluto do governo”, critica o deputado Gustavo Petta (PC do B).

Renovação

Um levantamento feito pela Jovem Pan aponta que 77 dos atuais 94 tentarão renovar seus mandatos. Ou seja, se ao menos 63 deles conseguirem, a Assembleia paulista registrará a menor renovação de sua história (o número de cadeiras foi ampliado em 1994). O dado é simbólico se comparado ao discurso generalizado de renovação política que tomou as campanhas eleitorais deste ano.

De acordo com Massonetto, a renovação não ocorre porque os novos candidatos ou têm de ser já conhecidos do eleitor ou precisam ter dinheiro para montar uma estrutura de campanha que possa projetá-los. “Os partidos atuam na lógica competitiva, inclusive internamente. Em vez de usar recursos dos fundo partidário para construir uma estrutura de todos os candidatos, a sigla escolhe aqueles com maior potencial e direciona todos os recursos para eles”, afirma. “É por isso que, quando se renova na política, são pessoas que já têm lastro de serem conhecidos, como atletas, atores, personalidades que já são notórias.”

Esse é um dos motivos pelo qual, na Assembleia do maior colégio eleitoral brasileiro, a renovação das cadeiras muitas vezes é simplesmente geracional. O atual presidente da Alesp, por exemplo, Cauê Macris (PSDB), de 35 anos, um dos mais jovens a ocupar o posto – está no segundo mandato – é filho de Vanderlei Macris, que deixou a vida pública depois de sete mandatos.

Esse é o mesmo caso de Antonio Salim Curiati (PP), decano da Alesp com dez mandatos e que agora, aos 90 anos, tenta eleger o filho, Curiati Jr.; Nabi Chedid (PTB), que também somou dez legislaturas em sua carreira política e cujo sobrinho, Edmir Chedid (DEM), é deputado estadual atualmente; Campos Machado (PTB), que acumula oito mandatos; Enio Tatto (PT), irmão do ex-deputado estadual Jilmar Tatto (PT), que já está em sua quarta legislatura e tenta a reeleição; e tantos outros.

Por pertencerem a famílias presentes na política estadual há anos — e que aparecem a cada nova eleição — esses políticos são conhecidos, principalmente, no interior do estado. Afinal, são eles que levam recursos para os seus redutos eleitorais: uma emenda para uma Santa Casa, a reforma com construção de quadras, o recapeamento de ruas e verbas para uma festa religiosa em outro município, por exemplo.

Mas há dois motivos para que as pessoas não se lembrem de em quem votaram nas últimas eleições para esse cargo. Um deles é que, quando o eleitor deixa o candidato tradicional para votar em um novo, há mais chances de ele se esquecer. A outra, segundo Ana Paula Massonetto, é a complexidade da estrutura da política brasileira. “São muitos atores com atribuições e competências diferentes para as pessoas saberem que eles existem, como eles funcionam e quem são eles”.

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