Barba no Irã: um assunto exclusivo de clérigos ou hipsters
Álvaro Mellizo.
Teerã, 14 mai (EFE).- Ou hipster ou clérigo. No Irã, não existe outra alternativa para descrever quem usa uma barba longa e cheia, em uma estranha e incomum aliança entre a moda alternativa e a ortodoxia religiosa em um país onde os pelos faciais são mal vistos pela imensa maioria da população.
Ao contrário do que o estereótipo faz pensar sobre o uso da barba no Irã, pelas ruas das cidades iranianas é difícil encontrar homens barbudos, e os poucos que são vistos assim são imprescindivelmente jovens artistas contraculturais na última moda ou religiosos.
Os demais cidadãos da República Islâmica preferem o rosto liso, e a maioria observa com tom de desaprovação quem deixa a barba por fazer e chega a debochar diretamente de quem deixa crescer os pelos do rosto, um preconceito que se assenta em códigos sociais mas, fundamentalmente, políticos.
Durante décadas, inclusive antes do triunfo da Revolução Islâmica de 1979, que instaurou um regime teocrático dirigido em última instância pelos xiitas, a barba era sinônimo exclusivo das figuras religiosas, reconhecidas por seus pelos longos, brancos e fartos.
A lei islâmica, pela interpretação no Irã, diz que a única obrigação é que “à distância” seja possível distinguir um homem de uma mulher, por isso usar barba não é tanto uma obrigação em si, mas uma recomendação levada muito em conta.
Por isso, a revolução não impôs seu uso, e poucos, exceto os muito crentes ou funcionários públicos, deixaram de se barbear.
Deste modo, em um estranho jogo de oposições, barbear-se diariamente se tornou uma forma de expressão contrária ao regime, enquanto usar uma barba de quatro dias é a estética que se associa com seus partidários, a polícia, os militares e os “Basij”, milicianos islâmicos que respondem diretamente ao líder supremo Ali Khamenei.
“Era assim, só esses usavam barba. Mas agora está muito na moda entre os jovens e os mais alternativos. É algo que se vê na estética masculina internacional e aqui também. De fato ostentam barbas mais longas e abundantes que as dos religiosos”, disse Ali, modelo e proprietário de um café.
Reza, estilista que tem uma mais do que respeitável barba, é um dos jovens iranianos que apostaram no estilo por questões exclusivamente estéticas.
“Escolho usar barba porque combina com meu estilo de vida e com meu estilo de vestir, que é gótico. A barba cai bem”, afirmou ele em frente ao seu ateliê em um bazar teherani.
Outro “novo” barbudo, Mohamad Ali, dono de uma loja de arte, reconheceu este caráter “bipolar” da barba no Irã e também a rejeição que a maior parte da população sente por quem a usa, para ele um “preconceito que as pessoas comuns sempre têm com quem é mais alternativo”.
Arash, também artista, barbudo e com cordões, o que é proibido para os homens no Irã, disse que usa barba, que chega quase à altura do peito, simplesmente porque gosta.
“Não uso porque sou artista, mas por gosto. De qualquer maneira, me irrita muito que as pessoas debochem da barba ou me chamem de terrorista ou talibã, que é o que fazem aqui. Usar barba é algo natural, mas como os religiosos também usam, incomoda algumas pessoas”, afirmou.
Pelo lado religioso, esta moda não pôde ser mais bem recebida, confirmou à Efe Seyed Jalal Mohebi, clérigo xiita e diretor do escritório encarregado de resolver dúvidas sobre a lei islâmica no norte de Teerã.
“Uma coisa estar na moda não significa necessariamente que seja ruim. Imagine que entre na moda ler livros, ou ajudar os órfãos, ou fazer caridade. Se virou moda os homens usar barba, o que é algo recomendado (pelo Corão), que bom, não há mal nenhum”, raciocinou. EFE
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