Brasil leva ao Festival de Berlim um filme sobre a mudança da sociedade
Elena Garuz
Berlim, 8 fev (EFE).- O Brasil apresentou neste domingo no Festival de Berlim com o filme “Que horas ela volta?”, elaborado a partir de fundamentos arquitetônicos pela cineasta Anna Muylaert, de uma sociedade em transformação com amostras de uma incipiente emancipação das classes não privilegiadas.
O filme, protagonizado por Regina Casé, Camila Márdila, Karine Teles, Lourenço Mutarelli e Michel Joelsas, conta a história de Val, uma carinhosa babá que trabalha para uma família em São Paulo e teve que deixar sua filha Jéssica com parentes no norte do Brasil.
Quando Jéssica chega 13 anos mais tarde a São Paulo, onde tem intenção de se estabelecer para estudar arquitetura, confrontará sua mãe pois considera que ela vive como uma pessoa escravizada e seu comportamento surpreendentemente inesperado na casa na qual serve a babá afetará todos seus habitantes.
Trata-se de um filme “sério e sentimental”, explicou a diretora em entrevista coletiva, ao mesmo tempo que expressou sua esperança de contribuir com este filme para “abertura social, ainda tímida” que vive seu país.
No filme, Jéssica, que se aloja temporariamente na casa onde sua mãe trabalha, “vai conquistando cada vez mais espaços”, explicou Muylaert, o que causa várias broncas de sua mãe e causa um evidente mal-estar para sua empregadora.
A casa conta com claras fronteiras arquitetônicas que constituem “um símbolo das diferentes camadas sociais” e representam ao mesmo tempo uma “arquitetura de sentimentos”, acrescentou.
Jéssica é, segundo a produtora, uma personagem que escapa do clichê de como deve ser a filha de um babá, “frágil” e, inclusive, “vítima de abusos”.
Para Márdila, que encarna Jessica, trata-se de uma mulher forte, “uma heroína, que não aspira nada impossível ou irreal”, mas se faz perguntas sobre as relações sociais enquanto “abre caminho em espaços que supostamente não deveria ocupar”.
É também o símbolo de uma geração cujos avôs ainda viviam do outro lado e que pela primeira vez chega à universidade e pode dizer a seus pais que “há espaços que podem ocupar”.
“Antes para isso, era preciso pedir permissão, as fronteiras estavam estabelecidas”, acrescentou a atriz.
A ideia para este filme, que será projetado na seção Panorama da Festival de Berlim, nasceu há 20 anos, quando Muylaert foi mãe pela primeira vez e pensou em contratar uma babá, ideia que descartou, porque queria ser responsável ela mesma pela educação da filha.
De fato, a personagem de Val é inspirada na babá dos irmãos da cineasta durante 17 anos, -“é a musa deste filme”-, disse a diretora, que comentou que se sentia “confusa” pelo fato de que as trabalhadoras do lar por um lado faziam parte da família, mas pelo outro não.
“Em nossas famílias sempre havia uma primeira e uma segunda mãe”, acrescentou.
Essas babás viviam, além disso, no paradoxo de cuidar dos filhos de outros e ter de deixar os seus ao cuidado de terceiros.
Este filme, divertido e profundo ao mesmo tempo, contrapõe duas mulheres de duas gerações: a mãe respeita as velhas normas e os costumes da divisão de classes, enquanto a filha, apesar de suas origens também humildes, se caracteriza por sua força de vontade e sua exigência de fazer valer seus direitos.
“É um filme que trata sobre a educação”, ressaltou a diretora, que considera que “este tema devia ser tratado de forma respeitosa e com empatia em um filme”.
A presença do Brasil na seção Panorama, a segunda em importância do festival, é completada com “Ausência”, de Chico Teixeira, que é coproduzido além disso por Chile e França; “Sangue azul”, de Lírio Ferreira, e “Jian Zhang-ke, um homem de Fenyang”, de Walter Salles.
“Ausência” narra a odisseia de Serginho, um adolescente de 15 anos, na busca de seu lugar em um mundo que o obriga a ser adulto demais em breve.
Em “Sangue azul”, um artista de circo retorna à ilha de sua infância e no reencontro com sua irmã, afloram sentimentos que se transformam em um desafio.
Enquanto isso, Salles se inclina em “Jian Zhang-ke, um homem de Fenyang” perante seu colega chinês Jian Zhang-ke com um retrato que mostra as mudanças radicais do país no qual foi feita a obra de um dos maiores cineastas de nosso tempo. EFE
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