Caso Zé Mayer é marco no combate da violência contra a mulher? Entenda por que é preciso denunciar
Na última sexta-feira (31), a figurinista Susllem Tonani publicou uma denúncia de assédio-sexual sofrida pelo ator José Mayer, em meio as gravações da novela A Lei do Amor. No texto, Susllem revelou ao blog Agora é que São Elas, do jornal Folha de S.Paulo, que o ator chegou a tocar sua genitália e inclusive teria lhe chamado de “vaca”, na frente de outros colegas de emissora.
Inicialmente, José Mayer, que interpretou o personagem Tião Bezerra, negou a acusação e disse que estava tomado pelo personagem, mas nesta terça-feira (4) confirmou o ato e se disse “arrependido e fruto de uma geração machista”. A TV Globo também informou por meio de nota que o ator está afastado das gravações por tempo indeterminado.
Recentemente, o cantor Victor Chaves foi acusado de ter agredido sua esposa Poliana Bagatini, em 24 de fevereiro, e foi afastado do programa The Voice Kids pela TV Globo. O músico foi indiciado pela Polícia Civil de Minas Gerais por vias de fato.
O fato de os dois casos terem ganhado tanta repercussão pode ser considerada uma vitória na luta contra o machismo? Afinal, o que os episódios envolvendo Victor Chaves e José Mayer, considerado um ícone da teledramaturgia, podem representar?
De acordo com a doutora em ciência política pela PUC-SP, Fhoutine Marie, essa é uma vitória da mobilização feminina e das atrizes e mulheres que trabalham na emissora. “Estamos num momento em que várias denúncias estão vindo à tona dentro e fora do Brasil. Alguns casos são bastante discutidos em redes sociais e esses são mecanismos para inibir a ação dos assediadores. Claro que só a denúncia não basta, pois é preciso que as denúncias sejam levadas às autoridades”, explica.
Para a jornalista e ativista de movimentos feministas, Nana Soares, a atitude da figurinista Susllem mostra que as mulheres não devem sofrer caladas. “Essa denúncia é grave, mas também é muito corajosa. A coragem é proporcional a fama do José Mayer, principalmente por conta do prestígio que ele tem”, explica.
Nana cita ainda que a “confissão” de Jose Mayer foi motivada apenas pela reação de mulheres da própria TV Globo, no qual atrizes como Drica Moraes, Alice Wegmann, Sophie Charlotte, Bruna Marquezine Mariana Xavier e as apresentadoras Fernanda Lima e Cissa Guimarães, entre outras, apoiaram a campanha #mexeucomumamexeucomtodas.
“Esse caso representa uma série de fatores, principalmente de como podemos conseguir as coisas em conjunto. Ela (Susllem) tentou denunciar por todos os meios e ainda assim recebeu diversas ofensas. Se não tivesse ocorrido toda essa mobilização, dificilmente ele teria voltado atrás e admitido”, ressalta.
Não se cale!
A divulgação por meio de redes sociais, ouvidorias, disque-denúncia e outros canais é fundamental para que as mulheres não se calem, pois as vozes devem reverberar em todas as esferas da sociedade. “Não estamos ganhando voz. Estamos conseguindo ser ouvidas. O tempo todo há tentativas de silenciamento dessas vozes e essas denúncias são importantes. Pode ser o começo para que as mulheres assediadas tomem coragem para expor seus assediadores e cobrem que a justiça seja feita”, destaca Fhoutine Marie.
Para a especialista em ciência política e ativista da causa feminista, as organizações também têm mostrado que não há mais espaço para manter em seu quadro de funcionários acusados de violência contra a mulher, entretanto o medo ainda é o maior entrave. “A palavra da vítima sempre é questionada quando se trata de um homem que está numa posição, como a do ator que é consagrado e bem visto pela sociedade. Isso dificulta muito as denúncias e infelizmente algumas pessoas se voltaram contra a figurinista”, revela.
“O silêncio é o maior aliado do machismo e da violência. As coisas acontecem porque as pessoas acham que ninguém vai falar. Então estamos quebrando algumas barreiras”, completa Nana.
Consequências psicológicas
A psicóloga e terapeuta sexual, Paula Napolitano esclarece que não há mais espaço para “brincadeiras” envolvendo a sexualidade. As consequências para quem passa por situações envolvendo o assédio podem ser extremamente danosas. “As vítimas podem se sentir abusadas, não valorizadas e agredidas. Há ainda o sentimento de culpa e a raiva pelo sexo oposto. Em casos mais graves pode resultar até em suicídio”, explica a terapeuta.
De acordo com Paula Napolitano, a prática do assédio está associada a cultura do machismo e não revela um distúrbio propriamente dito. “Há casos que propiciam esse desejo sexual, como a pornografia, mas está mais ligado a educação e ao não entendimento das consequências que essas atitudes podem trazer”, diz a especialista.
Segundo pesquisa de 2016 da ActionAind, organização internacional de combate à pobreza 86% das mulheres brasileiras já sofreram alguma forma de assédio em público. O levantamento mostra que 77% das entrevistadas já passaram por constrangimentos como o assobio. Enquanto 74% relataram olhares insistentes; 57% comentários de cunho sexual; 39% já foram xingadas; 50% foram seguidas; 44% tiveram seus corpos tocados; 37% presenciaram algum tipo de exibição dos homens e 8% foram estupradas.
Evolução
A prática do assédio está basicamente ligada ao comportamento humano e as causas são diversas, mas algumas “ações” de conscientização podem contribuir para que as transformações ocorram em médio e longo prazo. “Os movimentos feministas estão numa onda importante e as redes sociais contribuem para essa propagação. Antigamente havia muita falta de preparo das delegacias para lidar com essas denúncias”, ressalta Fhoutine.
“Espero que daqui a alguns anos a gente tenha avançado nessa discussão. Mas é muito difícil de prever os acontecimentos porque vivemos uma onda política conservadora mundial, envolvendo machismo, abusos e assédios”, ressalta Fhoutine.
O conservadorismo mencionado pela especialista remete às denúncias de abuso-sexual enfrentadas pelo atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Além dele, personalidades como o ex-boxeador Mike Tyson, o ator, Ben Affleck, o ex-diretor do FMI (Fundo Monetário Internacional), Dominique Strauss-Kahn, entre diversas personalidades.
Por conta de históricos envolvendo fama e poder, a possibilidade que comportamentos violentos estão coligados à baixa escolaridade ou situação financeira é totalmente rechaçada. “Isso está em todos os segmentos da sociedade. E pessoas que estão em condições de poder se valem dessa superioridade”, afirma Fhoutine.
“A cada geração a nós percebemos mudanças significativas. Essas questões não vão acabar, mas vão evoluir porque a sociedade se transforma. Eu vejo que os adolescentes de hoje já possuem uma outra cabeça. Temos que falar, discutir e mudar políticas, atitudes e ações”, afirma Nana Soares.
A psicóloga Paula Napolitano corrobora com as opiniões. Para ela, a educação sexual pode ajudar muito nesse sentido, tanto os homens quanto as mulheres que também são machistas. “É preciso prestar atenção em como estamos educando de forma desigual, compactuando pra que meninos cresçam achando que desejo deles é soberano”, diz.
O que fazer?
Diariamente milhões de mulheres são vítimas de assédio no mundo todo. Mas aos poucos os casos estão sendo divulgados e diminuindo a impunidade. Nana Soares explica quais passos devem ser tomados em situações envolvendo violência contra a mulher. “Denunciem. Procurem a central de atendimento à mulher e não se calem. Veja em cada contexto quais são suas ferramentas, onde e com que você pode falar”, diz.
“A empatia, se colocar no lugar do outro, é muito importante para começarmos a mudar essa postura”, completa Paula Napolitano.
Segundo Fhoutine, o assédio está presente nas redes sociais, dentro de casa, no ambiente de trabalho, na academia… Por isso, a denúncia é a melhor forma de combater esse crime. “As pessoas devem buscar apoio com amigas e consultar grupos e entidades de defesa da mulher. Sempre que ela se sentir psicologicamente amparada deve denunciar. As denúncias ajudam a mostrar o crime”, finaliza.
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