E o céu assobiou para Lauren Bacall
Nova York, 12 ago (EFE).- Lauren Bacall morreu aos 89 anos, mas durante meio século foi a viúva de Hollywood graças ou por culpa de seu casamento com Humphrey Bogart, que garantiu a ela um lugar na história, mas ofuscou uma trajetória que teve um punhado de obras-primas do cinema.
Quando Lauren Bacall tinha 19 anos e estava promovendo em Nova York seu primeiro filme, “Uma aventura na Martinica” (1944), rodado ao lado de seu futuro marido, Humphrey Bogart e, segundo um texto de Ernest Hemingway, o dramaturgo Moss Hart se aproximou e disse a ela: “Se dá conta, certamente, que a partir de agora só pode ir ladeira abaixo, certo?”.
Hart se equivocou. Lauren Bacall, “a magra” como era conhecida em Hollywood, tinha muito mais a dizer do que no diálogo em que dava em Bogart uma carinhosa bofetada: “Não tem que atuar comigo. Não tem que dizer nada, nem fazer nada. Ou talvez, só assobiar. Sabe como silvar, certo, Steve? Só junta os lábios e assobie”.
“Que vida!”, exclamou ela em 1993 ao receber o prêmio Cecil B. DeMille nos Globos de Ouro por sua trajetória. Não poderia haver resumo melhor do que essas duas palavras.
Uma vida tão interessante que sua autobiografia de 1978 “By Myself” foi premiada com o National Book Award++, e tão duradoura que em 1994 escreveu outra intitulada “Now”, à qual teve que acrescentar um anexo em 2005.
Nascida em 16 de setembro de 1924 no Bronx (Nova York) com o nome de Betty Joan Perske, tinha origem judia polonesa (era prima de Shimon Peres) e romena, e superada a vocação inicial de jornalista, focou sua carreira na interpretação.
“Nunca fui adolescente”, disse a Terenci Moix em entrevista na qual se definiu como “muito vulnerável e muito insegura”.
Nenhuma insegurança tiveram os executivos da Warner Brothers quando viram seu corpo sinuoso, seu olhar felino e uma voz que parecia como se tivesse nascido com um cigarro e um uísque com gelo. Imediatamente a reservaram para uma estreia em grande estilo como “mulher fatal” de Bogart. Howard Hawks foi quem propôs que se chamasse Lauren. E Bacall era o sobrenome de sua mãe.
Vieram três filmes em seguida: “À Beira do Abismo” (1946), com roteiro de Raymond Chandler; “Prisioneiro do Passado” (1947) e “Paixões em Fúria” (1948), de John Houston.
Fora das telas, Bogart e Bacall se transformaram em um casal comprometido contra a caça às bruxas do senador McCarthy, durante a paranoia “macartista” anticomunista nos EUA. No entanto, Hollywood se perguntava, existiria Bacall sem Bogart?
Ela sempre reconheceu sua prioridade como esposa do que como estrela e ria dessa imagem projetada em sua primeira fase. “Se há algo que nunca fui foi misteriosa, e se há algo que nunca fiz foi não falar”, admitiu. E o relacionamento com a Warner, considerada por ela escravizante, não acabou bem.
Assim, foram a comédia loquaz sofisticada de “Como Agarrar um Milionário” (1953) e “Teu Nome é Mulher” (1957), os filmes que marcaram o caminho da emancipação artística de Bacall, ou o da fuga enquanto Bogart a deixava viúva com apenas 32 anos.
Ela se envolveu, uma relação de transição, com nada menos que Frank Sinatra, sobre quem disse que gostaria “que se calasse e cantasse”, e profissionalmente teve um elegante faceirice com o melodrama de Douglas Sirk em “Palavras ao Vento” (1956).
Quatro anos depois da morte de Bogart, e apesar de ter chegado a anunciar que se casaria com Sinatra, foi Jason Robards Jr., outro bebedor empedernido, que ganhou seu coração. Por quem ela nunca mais conseguiu se apaixonar foi o cinema. Lauren Bacall se recolheu em sua Nova York natal para focar sua carreira na Broadway.
Nunca ter sido indicada ao Oscar foi compensado com dois prêmios Tony por dois musicais ironicamente baseados em filmes da clássica Hollywood: “Applause”, no qual interpretou o personagem de sua admirada Bette Davis em “A Malvada”; e “A Mulher do Dia”, interpretando o papel de sua amiga Katharine Hepburn no filme de mesmo nome.
E sobre o palco, sua elegância se tornou ainda mais evidente, sua energia surpreendente e sua voz ao cantar reproduzia a sensualidade rouca que sempre teve. Bacall ressuscitou como dama do teatro. “O musical foi para mim uma nova oportunidade, como voltar a nascer”, disse então ao se ver, finalmente, uma estrela por si mesma. Esse “ByMyself” que deu nome a sua biografia.
Mas quando parecia que na vida de Lauren Bacall só sobrava receber prêmioshonorários, como Cecil B. DeMille e o reconhecimento do Festival de Berlim nos anos 90, Lauren Bacall pediu uma nova prorrogação e, com um faceiro papel de idosa em “O Espelho tem Duas Faces”, de Barbra Streisand, foi indicada pela primeira vez ao Oscar, em 1997.
Todo o mundo dava por certo que levaria a estatueta, inclusive Juliette Binoche, que finalmente ganhou. E, apesar de Bacall ter dado a pior interpretação de sua carreira ao tentar dissimular a decepção com a derrota (seu filho, imediatamente, abandonou a sala), sua carreira se revitalizou.
“O que significa isso da minha idade? Que idade? Trabalhar não é questão de idade. Continuar trabalhando significa continuar viva”, respondeu a um jornalista em Berlim ao apresentar “O Acompanhante”, uma interessante intriga de Paul Schrader.
Suas últimas interpretações foram muito escolhidas, mas excelentes, com nomes tão pouco clássicos como Lars Von Trier (em “Dogville” e “Manderlay”), em um excelente curta-metragem dirigido por Natalie Portman (“Eve”). E quando em 2009 Hollywood a entregou seu Oscar honorário, só disse: “finalmente, um homem!”. EFE
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