Em “Na Escuridão”, escritor recria drama de mineiros chilenos soterrados
O fato comoveu o mundo – na manhã de 5 de agosto de 2010, barulhos estranhos começaram a ecoar na mina San José, no deserto do Atacama, no Chile. No início da tarde, uma rocha da altura de um edifício de 45 andares desabou, obstruindo o túnel que dava acesso à superfície. Exatos 33 mineiros ficaram presos a 700 metros de profundidade e só conseguiram ser resgatados 69 dias depois, em uma operação acompanhada por todo o planeta.
A aventura rendeu inúmeras matérias jornalísticas, mas coube ao guatemalteco Héctor Tobar o acesso exclusivo aos mineiros, que lhe forneceram detalhes aterrorizantes. Os relatos resultaram no livro “Na Escuridão”, lançado agora pela Objetiva, e que, por sua vez, inspirou o filme “Os 33”, que estreia nesta quinta-feira, 28, com Rodrigo Santoro e Antonio Banderas. “É um trabalho comovente E refletiu com precisão temas do meu livro. A história dos 33 mineiros, acima de tudo, é uma história de amor familiar, irmandade e o desejo de voltar para casa”, conta Tobar, em entrevista.
A reconstituição trouxe detalhes horripilantes. Nos primeiros 17 dias, por exemplo, os mineiros ficaram sem contato com a superfície, com temperaturas próximas de 40ºC e uma umidade de 98%. “A fome foi um dos problemas mais graves”, atesta o escritor. “Depois de 17 dias sobrevivendo apenas com alguns biscoitos, estavam começando a morrer de fome. Mas o pior era a ideia de que morreriam sozinhos e deixariam suas esposas viúvas e seus filhos órfãos. É uma coisa horrível deparar com a perspectiva da sua própria morte, como uma pessoa consciente cuja vida lhe é tirada lentamente.”
Vários motivos positivos ajudaram no salvamento. Na superfície, Laurence Golborne, ministro das Minas e Energia (vivido na tela por Santoro), insistiu em manter as buscas, mesmo quando não havia evidência de que estariam vivos. Lá embaixo da terra, a determinação e a disciplina dos mineiros, que racionaram a parca alimentação e mantiveram a disciplina, foram essenciais para que todos ficassem vivos.
Logo, um deles, Mario Sepúlveda (papel de Banderas), assumiu o comando. “Mario é uma pessoa que lutou a vida inteira para sobreviver”, comenta Tobar. “Sua mãe morreu quando o colocou no mundo. Ele vem de uma família pobre no sul do Chile. E o indivíduo que supostamente deveria se encarregar dos mineiros naquele subterrâneo estava com medo e confuso, e explicitamente renunciou à sua função de líder. Mario queria sobreviver e queria que seus irmãos sobrevivessem com ele. É um indivíduo extremamente inteligente, com uma grande energia. Não foi o único homem entre eles a assumir a liderança, mas claramente foi o mais determinado e veemente.”
Héctor Tobar ouviu depoimentos de todos os 33 mineiros. Com isso, colecionou versões ligeiramente distintas dos mesmos fatos “Como os 33 viveram a experiência juntos, num espaço relativamente confinado, não havia muita discrepância entre as histórias”, explica. “É uma situação em que é quase impossível alguém mentir. Dito isto, muitos tinham maneiras diferentes de ver ou interpretar o evento. Como escritor, não pensei no meu trabalho como um jornalista normalmente faz. Minha ideia era escrever um romance. E num romance não existem realmente 33, 20 ou 12 diferentes perspectivas – há apenas uma, a do escritor.”
O jornalista, aliás, conta que os mineiros tiveram a ideia de transformar sua odisseia em livro ainda quando estavam aprisionados. “Eles tinham conversado por telefone com os sobreviventes uruguaios do desastre ocorrido nos Andes, que tinham se beneficiado da publicação de um livro e um filme sobre eles. Fizeram um acordo para vender os direitos juntos. Para mim, foi a oportunidade de prosseguir com o grande projeto da minha vida: escrever sobre a vida das pessoas humildes e a população trabalhadora da América Latina. Sou filho de imigrantes guatemaltecos e tenho me dedicado a representar o trabalhador latino-americano na literatura.”
Apesar de inicialmente apontados como heróis, os mineiros logo sofreram um tratamento inadequado. “Eles foram tratados como atores de um reality show”, observa Tobar. “Com o tempo, uma boa parte da imprensa chilena começou a retratá-los como pessoas sem cultura que se tornaram ricos e famosos de repente – e sem merecê-lo. Não ficaram ricos. E a realidade – que o mundo não conheceu até a publicação do livro e do filme – é que sofreram uma tortura cruel embaixo da terra.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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