Imaginário de Picasso que iluminou Guernica chega ao Brasil
Alba Gil.
São Paulo, 24 mar (EFE).- Cortados sobre a tela negra que domina a sala, os diminutos olhos de um cavalo branco cravam o teto, enquanto o punhal que tem por língua abre caminho entre os dentes. É um grito de dor desesperado e um dos esboços de uma peça chave na história da arte: Guernica.
Assim começa “Picasso e a modernidade espanhola”, uma mostra com 90 obras do Museu de Arte Reina Sofía, de Madri, que propõe, a partir desta quarta-feira no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo, um percurso pelos fundamentos artísticos que desembocaram na arte moderna.
Junto do cavalo branco, metáfora do povo que sofre, aparecem os elementos do artista: minotauros exultantes, altivos, vencidos e exaustos, corcéis agredidos e mulheres toureiras, que completam o imaginário do qual Pablo Ruiz Picasso (1881-1973) se serviu para representar a tragédia e a dor universal.
Uma iconografia que já é familiar a São Paulo, já que, como explicou Eugenio Carmona, curador da exposição, Guernica esteve na cidade na segunda Bienal, em 1953 e, graças a isso, “a arte espanhola pôde voltar a ser reconhecida”.
Mas, além de Guernica, a exposição clama, nas palavras de Carmona, que “a modernidade artística possa ser vivida de muitas maneiras e o gênio malaguenho, artista do drama e do gozo, foi o exemplo perfeito”.
Desde o sucesso de sua primeira exposição, em 1901, até o compromisso político de suas últimas obras, Picasso nunca deixou de inovar, primeiro com os períodos azul e rosa, depois com o revolucionário cubismo e o “collage”, para voltar a um classicismo modernizado e inclusive abraçar o surrealismo.
“Picasso não diferenciava trabalhar e desejar; para ele, o trabalho era viver”, explicou Carmona antes de assinalar a recorrente presença de modelos nas obras do pintor espanhol.
Picasso considerava que o desejo e a presença feminina movimentavam a arte e, por isso, os retratos das amantes que estão na mostra formam uma rota pelo processo de criação.
A primeira, como protótipo da investigação cubista, a geometria, a representação e a abstração; as outras duas, como culminação do “picassiano”.
Contudo, a complexidade do universo psicológico do pintor contrasta com a imagem que ele gostava de dar de si mesmo.
“Picasso é alguém que sabe muito e não quer que notem”, apontou Carmona, enquanto lembrava as dezenas de fotografias de Picasso na praia, com calças curtas e “fritando ovos para parecer um selvagem”.
“A última obra de Picasso é ele mesmo”, destacou o curador, que lembrou que “com 80 anos Picasso aparecia em todas as revistas e meios de comunicação como símbolo da criatividade e da vitalidade”. Afinal, como disse o próprio pintor, “a juventude não tem idade”.
Além disso, a arte “picassiana” nunca deixou de lado o passado, mas tentou unir a novidade com os grandes mestres, uma característica que frequentemente o diferenciou de seus contemporâneos e que a mostra não hesita em explorar.
Por isso, ao lado de Picasso, pinturas de Juan Gris, Salvador Dalí, Antoni Tàpies e Joan Miró dialogam com esculturas de Julio González e Pablo Gargallo e inclusive com um móvel de Ángel Ferrant. Um horizonte artístico que aponta em uma direção: a do abismo que se abre após o fim da modernidade.
A exposição, patrocinada pelo Banco do Brasil e pela Fundação Mapfre, estará em cartaz até 8 de junho em São Paulo e depois segue para o CCBB do Rio de Janeiro. EFE
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