Livro faz retrato poderoso do maior carrasco do regime do apartheid

  • Por Agencia EFE
  • 12/07/2015 10h44
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Marcel Gascón.

Johanesburgo, 12 jul (EFE).- Através de suas conversas na prisão com quem fora o mentor e, frequentemente, a mão executora do regime do apartheid, Anemari Jansen faz um poderoso retrato do carrasco e toca, em seu livro “Assassin for the State” (“Assassino do Estado”, em tradução livre) na parte mais incômoda de suas origens como sul-africana branca e africâner.

A entrada em 2011 do líder do esquadrão da morte do regime supremacista, Eugene De Kock, em sua plácida vida de classe média levou Jensen a lançar um olhar inquisitivo e documentado do passado que mudaria para sempre a percepção de sua própria identidade.

“Por um lado estão os valores africâneres do trabalho duro, do amor a terra. Mas também a rigidez das mentalidades, o calvinismo”, disse à Agência Efe Jansen, que reconhece ter vivido, como a maioria de seu povo, de costas para as atrocidades cometidas por gente como De Kock para defender seus privilégios.

A fingida amizade começou em 2011, quando o visitou pela primeira vez na prisão de Pretória junto a um amigo comum. De Kock cumpre desde 1996 duas penas de prisão perpétua e uma terceira pena de 212 anos pelo sequestro e assassinato de vários ativistas antiapartheid.

Jansen queria conhecer a prisão para construir uma passagem do livro de ficção que estava escrevendo, mas ficou impressionada pelo ar distinto, quase delicado, a conversa inteligente e a sensibilidade de De Kock.

“Não é o que se espera de alguém que fez coisas terríveis”, comentou Jansen, que em seguida começou a acompanhar suas marcas, repassando os documentos de seu julgamento e se reunindo com seus antigos amigos.

“Acabei sendo um menino a mais”, contou Jansen, sobre encontros nos quais afloravam lembranças que também foram repassadas durante a hora de conversa que “Eugene” – como chama a quem acabou se tornando um amigo – tinha atribuído para as visitas na prisão.

“Falava sem parar da guerra na Namíbia, mas era difícil que rememorasse os tempos em Vlakplaas”, a fazenda de Pretória que o esquadrão da morte que dirigiu nos anos 80 usava como base.

Jansen chegou a esse tema em sessões que a deixavam exausta -“a prisão é um espaço extremamente intenso” -, nas quais entreviu os motivos que levaram De Kock a ser um assassino às ordens de políticos e generais que o abandonariam depois.

“Há um elemento genético nestes jovens cheios de testosterona, que vão ao combate porque necessitam de adrenalina”, afirmou a escritora, que aponta também o ambiente fortemente politizado e dogmático, de reverência à polícia e ao exército, nas comunidades africâneres.

Devastado o mundo da ideologia supremacista e anticomunista pelo qual matou, os motivos pelos quais De Kock acreditou lutar para defender a cristandade e por seu povo deram passagem à suposição do que fez.

Escorada pelo perdão e a amizade que algumas vítimas ofereceram ao carrasco, uma ideia percorre o livro de Jansen: De Kock ganhou sua redenção através da honradez e da verdade nua.

O “assassino do apartheid” obteve liberdade condicional em maio, após um tempo na prisão no qual se manteve afastado dos grupos carcerários e não deixou de ler e nem de escutar a “Primavera” de Vivaldi, elogiou Jansen.

De Kock inicia sua nova vida em liberdade tendo que conviver ainda com as imagens de seus crimes, que o atormentam pela noite, e às quais só vencerá “se construir novas lembranças”, de acordo com a autora.

Embora Jansen considere De Kock capaz de começar essa nova vida buscando um trabalho, acredita que a prioridade dele é recuperar o contato com seus filhos, que fugiram quando os segregacionistas perderam “a guerra” – como De Kock se refere à queda do apartheid -, do monstro que foi seu pai e de um país que o batizou como “o mal absoluto”. EFE

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