Protagonismo feminino no entretenimento aumenta, mas mulheres ainda são minoria

  • Por Carolina Fortes e Rafaela Lara
  • 13/03/2020 13h00 - Atualizado em 13/03/2020 16h37
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Divulgação/Warner Bros. aves-de-rapina-2 Filmes de maior bilheteria com mulheres como personagens principais aumentou 40%, mas 52% dos papéis ainda são relacionados à vida pessoal

De 2018 para 2019, a porcentagem dos filmes de maior bilheteria com protagonistas femininas aumentou de 31% para 40%, segundo a pesquisa It’s a Man (Celluloid) World, que analisou os 100 filmes com maior bilheteria daquele ano.

No entanto, apesar do maior espaço destinado a elas, as mulheres continuam sendo retratadas em papéis que reforçam estereótipos de gênero. De acordo com o estudo, homens são mais propensos a representar personagens relacionados ao trabalho (60% vs. 40%), e mulheres à vida pessoal (52% vs. 34%). Além disso, quando falamos de locais de liderança, elas ficam muito atrás, com apenas 26% dos papéis.

Para a jornalista Mônica Salgado, que ocupou altos cargos em grandes revistas de moda e comportamento, a mídia e a publicidade têm papel fundamental nessa desconstrução de rótulos. “Em teoria, elas deveriam reproduzir a sociedade, seus propósitos e proporções, mas durante décadas falharam nesta missão. E isso porque os cargos de comando nas agências e imprensa de comportamento eram em grande parte ocupados por homens”, afirma.

Conforme a pesquisa It’s a Man (Celluloid) World, isso se replica também na indústria do cinema. Filmes com pelo menos uma diretora ou escritora têm mais chances de colocarem mulheres como protagonistas, em papéis principais ou personagens com falas.

Porém, em Hollywood, o gênero feminino representa apenas 18% dos diretores, roteiristas, produtores, produtores executivos e editores dos 250 filmes americanos de maior bilheteria, segundo um relatório do Center for the Study of Women in Television & Film. Entre os diretores, elas não passam de 4% do total.

Já no Brasil, um levantamento da Agência Nacional do Cinema (Ancine) indicou que os números não são muito diferentes. Somente 20% dos filmes lançados em 2018 tiveram mulheres como diretoras e 25% como roteiristas. Os dados são mais expressivos somente na produção executiva e direção de arte, onde elas representam, respectivamente, 41% e 57% das vagas.

Na televisão, o índice é ainda menor: apenas 15% dos produtos exibidos tiveram mulheres como diretoras e 24% como roteiristas.

Mudanças no mercado

Entretanto, ao avaliar o mercado de trabalho nas áreas de marketing e entretenimento, Bettina Boklis, atualmente diretora e sócia da empresa Brunez, acredita que o espaço já conquistado pelas mulheres tende a aumentar cada vez mais.

Bettina, que atuou por mais de 11 anos como diretora de marketing da rede Cinemark, no Brasil, acredita que a indústria do entretenimento em todo o mundo tem compreendido a competência e a garra das mulheres que fazem parte do setor — seja diante ou atrás dos holofotes.

“Esse espaço foi conquistado com muita competência, suor e resistência. Isso vem acontecendo no mundo. Hoje as mulheres no entretenimento produzem filmes, conteúdo, dirigem. E esse espaço já é reconhecido e ainda pode crescer mais”, diz.

Com quase 30 anos no meio corporativo, Bettina já presenciou diversas mudanças no mercado de trabalho, inclusive a chegada de mais mulheres no marketing e no entretenimento.

“Quando comecei o espaço era muito pequeno, e existia um preconceito, sim, uma espécie de proteção que acabava nos deixando de lado, mas as conquistas foram acontecendo por pura competência da mulher, por pura força de vontade”, avalia.

Representação feminina no entretenimento

Outro ponto importante é a forma como as mulheres são retratadas no entretenimento. A maior parte delas são jovens: 22% na casa dos 20 anos, 31% na casa dos 30, e 30% com 40 ou mais. Em relação ao protagonismo, 26% é em filmes de terror, 24% em dramas, 21% em comédias, 16% em ação, 8% em ficção científica e 5% em animação.

Além disso, em 2019, dentro das personagens que tinham falas, 68% eram brancas, 20% negras, 5% latinas, 7% asiáticas e 1% outras raças ou etnias. Nas revistas de moda e comportamento, esse padrão se repete. É muito mais comum vermos mulheres dentro do “estereótipo de beleza” estamparem as capas, assim como as páginas de dentro. A noção de que outros corpos também deveriam ser representados começou, de acordo com Mônica, há cerca de quatro ou cinco anos.

“Hoje vivemos o auge dessa consciência de que havia uma parcela importante de pessoas sub representadas. E a referência é algo vital! Para as gerações futuras, é fundamental ter uma primeira dama, executiva, modelo, atriz de novela, boneca Barbie como elas — seja na raça, nas curvas, etc”, diz.

Para ela, essa recusa persistente de algumas revistas em abraçar a diversidade pode ter contribuído para a perda de relevância do setor. A tese de doutorado Cores e contornos: gênero e raça em revistas femininas do século 21, da pesquisa da UFSC Gabrielle Bittelbrun indicou, por exemplo, que entre 2004 e 2014 a revista Claudia teve apenas 5% das capas com mulheres negras. Já a TPM, 9%. “O corpo feminino, ao menos no papel, é um corpo essencialmente branco, sem qualquer marca de velhice, de cicatriz ou de gordura”, conclui o estudo.

A ex-consulesa da França e consultora em diversidade Alexandra Loras aponta para a ausência das “maiorias que são tratadas como minorias” — negros e mulheres — na mídia e livros didáticos. “Isso é uma construção social. Somos [mulheres] 52% da população, mas não estamos nos espaços de poder, tanto no mundo oriental, quanto ocidental”.

Segundo ela, essa visão mercadológica precisa mudar, pois mulheres e negros representam a maior parte do mercado consumidor. “A maioria dos lares são chefiados por mulheres. A cosmética e a moda sabem como conversar conosco, mas outras empresas não”. E isso começa ainda na estrutura das companhias, quando não contratam estas pessoas. “Se você traz mais mulheres e mais negros, você consegue falar mais com essas pessoas. Durante décadas as revistas tinham uma narrativa com loiros de olhos azuis. As marcas querem seduzir o consumidor final, mas nos comerciais, por exemplo, nunca teve uma ‘família margarina’ composta por negros, apesar do Brasil ter uma população de 114 milhões de negros”, pontua Alexandra.

Economia e empreendedorismo

De acordo com uma pesquisa realizada pela consultoria Enlight, apenas 7,3% dos cargos em conselhos de empresas cadastradas em Novo Mercado da B3, a Bolsa de Valores brasileira, são ocupados por mulheres. Mas para Bettina, essa situação tende a mudar.

“Logo veremos mais mulheres fazendo parte de conselhos de empresas. Existem fundos [de financiamento] que exigem isso justamente porque precisamos de um olhar diferenciado. Acredito que as competências que as mulheres têm a oferecer são muito importantes para o crescimento e desenvolvimento sustentável de uma empresa”, diz.

Daniela Gassen, head de eventos da BBL (road de entretenimento na área de games e esportes) conta que já enxerga uma nova visão nos funcionários mais jovens. “É difícil em uma reunião com CEOs, investidores, ser uma mulher no meio de 20 homens, complicado fazer eles prestarem atenção. Parece que é naturalmente uma falta de interesse no que vamos falar. Mas meus funcionários mais jovens, vejo que eles me respeitam”, completa.

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