"Respect": como Aretha Franklin transformou um clássico machista em hino do feminismo
O mundo entrou em luto nesta quinta-feira (16) com a morte de Aretha Franklin, uma das maiores cantoras de todos os tempos. Desde o anúncio do falecimento, muito se tem dito sobre sua voz única, sua interpretação vibrante e sua capacidade de emplacar hits atemporais. I Say A Little Prayer, por exemplo, segue sendo uma das preferidas nas pistas de dança ainda hoje. O que muitos não sabem é que ela sempre foi considerada um dos ícones do movimento feminista e da luta pelos direitos humanos. Para explicar o porquê, precisamos recapitular um pouco.
A artista nasceu em 1942 em Memphis, Tennessee, e foi criada em Detroit, Michigan. Inspirada por seu pai, pregador da Igreja Batista, gravou seu primeiro disco, o gospel Songs of Faith, em 1956 aos 14 anos de idade. Fez em seguida algumas demos e não demorou para chamar a atenção da indústria fonográfica. Em 1961 já tinha contrato assinado com a Columbia Records, passando a trabalhar com John Hammond, produtor renomado no meio do jazz. Acontece que ele a enxergava como “a nova Billie Holliday”. E ela queria ser a primeira Aretha Franklin.
Após cinco anos na gravadora (e incríveis nove álbuns), ela migrou em 1967 para a Atlantic Records e o sucesso comercial finalmente apareceu. O primeiro hit foi I Never Loved a Man the Way I Love You, nona posição no ranking Billboard Hot 100. Isso foi em janeiro. Em abril, lançou Respect – e é aqui que nossa história começa.
R-E-S-P-E-C-T
A canção foi escrita e gravada originalmente por Otis Redding, cantor de soul norte-americano, em 1965. Em sua versão, ele cantava – olha só que ironia – sobre um homem que exigia respeito de sua esposa, já que era ele quem sustentava a casa. Imagina então a subversão que foi colocar essa letra na boca de uma mulher segura e forte como ela!
Para marcar ainda mais essa diferença, algumas modificações estéticas foram feitas na música. Foram adicionadas backing vocals (entre elas as suas irmãs Erma e Carolyn) para exaltar a letra, algumas frases foram introduzidas (como a provocativa “sock it to me”, algo como “mostre do que você é capaz”) e a pronuncia da palavra que dá o título à canção passou a ser bem mais definida. Respect virou R-E-S-P-E-C-T. Alto. Profundo. Gritado.
“Para Otis, o respeito tinha uma conotação tradicional. O fervor na voz de Aretha era outro, exigia esse respeito”, explicou o produtor Jerry Wexler, segundo a revista Rolling Stone. “Era o que precisava naquele momento”, disse a própria Aretha à Elle.
Respect a rendeu os dois primeiros prêmios Grammy de sua carreira, que acumula 18. Foi trilha de diversos filmes, como Forrest Gump: o contador de histórias, ganhou versões de outras lendas, entre elas Stevie Wonder, e virou hino dos movimentos pelos direitos humanos dos anos 1960 e 1970, especialmente do movimento negro e do feminista.
Como se não fosse o suficiente, a cantora ganhou em 1979 uma estrela na Calçada da Fama de Hollywood e, em 1987, tornou-se a primeira mulher no Rock and Roll Hall of Fame. Não foi à toa que passou a ser convidada para cantar em cerimônias de posse de alguns presidentes estado-unidenses. Esteve na cerimônia de Jimmy Carter, Bill Clinton e Barack Obama, sendo que fez a plateia se emocionar nessa última, em 2009.
Compare aqui a versão original de Otis e a revolução de Aretha:
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