“O Silêncio do Céu” fascina e perturba
Cada dia aqui no 44º Festival do Cinema de Gramado tem sido uma descoberta. Primeiro, claro, Sonia Braga, homenageada deste ano e rainha da primeira noite, com a apresentação do longa de Kleber Mendonça Filho. Aguarde até quinta (1º), para ver “Aquarius” e externar também sua opinião sobre o mais polêmico filme brasileiro da atualidade. A polêmica não tem a ver com a qualidade, propriamente dita, mas com a divisão que racha a sociedade brasileira e da qual o filme e sua equipe viraram emblemas, desde aquele gesto na escadaria do Festival de Cannes, em maio. Sonia, primeiro portanto, na sexta, 26. Andreia Horta, a Pimentinha de Elis, o poderoso filme de Hugo Prata, no sábado (27). E, no domingo, Carolina Dieckmann em “O Silêncio do Céu”, de Marco Dutra.
Carol! Todo mundo sabe que a vida é injusta e Carolina Dieckmann, por um tempo, sofreu a síndrome que atinge as mulheres muito belas. Como assim – ela é talentosa? Pode ser injusto, sim. Além de bela tão talentosa. “O Silêncio do Céu” é outra prova, após “Entre Nós”, de Paulo e Pedro Morelli. O filme já começa difícil para a atriz, para qualquer atriz. A personagem está sendo estuprada na própria casa. Cena dura, brutal. Corte para a rua.
Chega um homem, o marido (Leonardo Sbaraglia). Ele ouve o barulho dentro da casa, espia pela janela, vê o que ocorre e… Recua. Covarde! Esperem, as coisas são um pouco mais complexas. Mário, é seu nome, sofre de fobias. Tem medo de tudo. Diana, a mulher, faz uma longa lista de todos os medos do marido. Na verdade, talvez exista um só medo, o da mulher.
“O Silêncio do Céu” não nasceu como um projeto autoral de Marco Dutra.
Chegou até ele pelo produtor, Rodrigo Teixeira. Baseia-se num livro do autor argentino Sergio Bizzio, que ocorre ser marido da cineasta Lucía Puenzo. Bizzio e ela escreveram o roteiro que chegou às mãos do produtor.
Por um tempo, o projeto emperrou. Foi adiante quando Teixeira chamou Dutra para dirigir e ele incorporou o roteirista Caetano Gotardo.
Na coletiva, Dutra admitiu que teve dúvida. Seria possível levar adiante essa ideia tão forte? Marido e mulher silenciam sobre o ocorrido. E foi nascendo um filme terrível sobre a violência de gênero. O marido intimida-se com a mulher que o devassa com seu olhar. Face a isso, ele, que é roteirista, cria uma persona para si mesmo. Uma máscara. Num certo sentido, o marido, com seu silêncio, passa a ser um violador da mulher como a dupla de estupradores.
O repórter confessa que não ficou imediatamente impactado por “O Silêncio do Céu”. É um filme que não se entrega facilmente, mas cresce muito. Possui camadas, é muito bem feito. Marco Dutra dialoga com os gêneros – sempre.
Aqui, o thriller. Há uma cena – o violador estaciona seu carro diante da loja/ateliê em que a mulher é estilista. Tudo o que ocorre nessa cena é muito forte e ela age como divisor de águas do filme, e da obra do diretor. Alfred Hitchcock, sim, Brian De Palma, pode ser – a violência de gênero, contra as mulheres. Mas, ao repórter, o filme fez lembrar um velho Claude Chabrol, de 1974, que Dutra nem conhece. Les Noces Rouges, Amantes Inseparáveis, com Stephane Audran e Michel Piccoli. Essa questão das referências é complicada, reflete o diretor. Muitas vezes não é nada consciente, mas algo muito arraigado no imaginário do cineasta (ou do crítico), quando cinéfilos. O filme estreia dia 22. “O Roubo da Taça”, antes, até, no dia 8. “Aquarius”, agora. E “Elis” em novembro. Não é frequente que os filmes de um festival cheguem tão rapidamente ao público. Mas é bom porque daqui a pouco essa conversa será sua, para compartilhar, também.
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