Para Nélida Piñon, Brasil paga o preço de perder o “boom” latino-americano

  • Por Agencia EFE
  • 05/11/2014 08h20

Manuel Pérez Bella.

Rio de Janeiro, 5 nov (EFE).- Para a escritora e imortal da Academia Brasileira de Letras Nélida Piñon, o Brasil perdeu o “boom” latino-americano da década de 1970 e, por isso, somado a outras circunstâncias, paga o preço de ser um país “periférico” na literatura mundial.

“A criação brasileira é de primeira, mas o reconhecimento nos faz um país periférico”, afirmou a escritora à Agência Efe, por ocasião da publicação de seu novo livro, “A Camisa do Marido”, que será lançado nesta quarta-feira no Rio de Janeiro.

Nélida se sente lisonjeada por ter sido incluída na lista de escritores que situaram a América Latina no mapa literário mundial, mas é taxativa ao ressaltar que nem ela “nem nenhum brasileiro fez parte do boom”.

A romancista, filha de imigrantes galegos, explicou que, em parte, a literatura espanhola alcançou um lugar preeminente no mundo por conta do exílio dos intelectuais após a Guerra Civil no país.

Além disso, houve o “exílio voluntário” de muitos latino-americanos que se mudaram para a Europa, segundo ela, na busca de reconhecimento para suas obras e de ampliar seus horizontes intelectuais.

“O reconhecimento teria sido muito difícil em seus países. Mario Vargas Llosa não podia ficar em seu país. Não podia ficar no Peru, pois isso teria dificultado sua ascensão. Nesses lugares (do exílio) as obras não só foram reconhecidas, como ele cresceu como ser pensante”, comentou.

No caso dos escritores brasileiros, segundo ela, nenhum deles ficou na Europa e “todos voltaram correndo” com a anistia decretada em 1979, seis anos antes do fim da ditadura. Em sua opinião, isso dificultou a difusão de suas obras para além de seu país.

“É muito interessante a fascinação por nossa pátria, mas isso tem um preço. Foi o que escolhemos e agora não há reconhecimento”, argumentou.

Nélida também lamenta a falta de apoio financeiro das autoridades brasileiras, o que leva os escritores a terem “que viver na estrada” para financiar o trabalho, e acabam assim com menos tempo para criar.

“Se você quer se formar intelectualmente, tem que pagar com seu dinheiro e encontrar brechas em seu tempo para escrever de madrugada. Agora melhorou um pouco, mas o meu início foi dificilíssimo. Você pode dizer tranquilamente que não deve nada ao Estado brasileiro, mas sim o contrário, o Estado brasileiro que te deve tudo”, opinou.

Aos 77 anos, a autora defende o escritor que deixa sua obra para o país como um legado, “como um patrimônio”, e reforça que “um país sem literatura é um país medíocre”.

“Penso que sempre tive que trabalhar demais em coisas que não são de criação. O escritor brasileiro se empenha demais nas coisas que depois não vão perdurar e tem menos tempo para sua obra. É uma pena”, afirmou.

Sobre sua volta aos contos, já que seu último livro do gênero foi lançado em 2001, a ganhadora do Prêmio Príncipe de Astúrias das Letras em 2005 explicou que “A Camisa do Marido” tem nove textos, que em sua maioria abordam dramas familiares com questões como inveja, paixão, vingança, solidão e tragédia.

“A família é um microcosmos, tudo está dentro: os dramas, os desesperos”, comentou a autora, revelando que gosta de personagens imperfeitos, os que “desafiam” sua visão cosmopolita de mundo.

“Não quero um personagem que pega um garfo perfeitamente como se estivesse em um jantar. Posso usar esse aspecto, mas gosto dos personagens que se afinam com a grosseria, com a escatologia, como se fosse um ser medieval”, ressaltou.

Três dos nove contos de seu novo livro são homenagens: um é dedicado ao imperador espanhol Carlos V, outro mostra o escritor português Luís de Camões passando miséria em sua velhice e o terceiro é uma versão de um episódio de Dom Quixote.

Nélida pretende voltar a escrever contos, porque, como diz, “disciplina muito” e obriga a condensar os sentimentos e “colocá-los de certo modo em uma cápsula” devido ao tamanho limitado do texto.

Nesse sentido, defende que “o grande contador de histórias” deve tratar “qualquer página sua como se fosse um ourives”.

“Muita gente pensa que o romance pode ser pretexto para estender uma narrativa que, na verdade, já acabou e que poderia ser enxuto. Eu não. Acho que cada frase que você escreve tem que ter uma razão de ser. Não suporto a banalidade das frases inúteis”, concluiu. EFE

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