Paraguai, uma nação bilíngue que rejeita os nomes em guarani

  • Por Agencia EFE
  • 20/01/2015 10h31
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María Sanz.

Assunção, 20 jan (EFE).- Apesar de 90% da população paraguaia se comunicar em guarani, o idioma ainda desperta receios em âmbitos como o da administração pública, onde o registro de nomes de pessoas nesta língua pré-colombiana causa desde o assombro até a aberta rejeição.

O nome de Lautaro Ñamandú, com o qual um casal quis registrar seu filho recém-nascido em Assunção, provocou uma reação irada por parte de uma funcionária do cartório civil, que se negou a registrar a criança alegando que “odiaria seus pais” pelos nomes escolhidos.

“A funcionária se tornou muito violenta, nos maltratou, e se negou a registrar nosso filho. Nos disse que este não era um nome para uma pessoa, e nos perguntou que tipo de pais íamos ser”, relatou a Efe Rubén Cáceres, pai da criança.

Cáceres explicou que Lautaro é o nome de um guerreiro indígena da etnia dos mapuches chilenos, enquanto Ñamandú é um nome sagrado na mitologia dos guaranis, que faz referência à origem do universo.

Os pais os escolheram por considerar que seu primogênito, que nasceu de forma prematura e está desde então internado em um hospital, é um “lutador pela vida”.

No entanto, a encarregada de inscrevê-lo argumentou que não era possível “colocar em uma criança um nome de índio”, e insistiu que o pequeno renegaria seus pais e seria vítima de assédio na escola, segundo contou Cáceres.

Finalmente, ela o fez perante a insistência dos pais, embora “de má vontade”.

“Parece que foi um ato de discriminação em relação à língua guarani”, assinalou Cáceres, explicando que, apesar de compreender este idioma, foi educado em castelhano e tem dificuldades para expressar-se em outra língua.

“Minha família e a da minha esposa, que vêm do campo, falam guarani, e desde pequenos nos ralhavam nessa língua. Mas ao chegar a Assunção houve uma espécie de desapego, e utilizamos mais o castelhano”, relatou Cáceres.

Segundo disse à Agência Efe o diretor de Planejamento linguístico do Paraguai, Miguel Verón, o caso demonstra a necessidade de “aumentar o status do guarani”.

Detalhou que apesar de ser a língua mais utilizada em forma oral, não goza do mesmo prestígio social que o castelhano, mais usado em documentos escritos e âmbitos formais.

Trata-se de uma situação que os sociolinguistas denominam diglosia, e que no caso paraguaio, segundo Verón, parte do paradigma do colonialismo, que opunha a “civilização”, identificada com a cultura europeia, à “barbárie”, representada pelas culturas indígenas.

“Em 1848 o presidente Carlos Antonio López ordenou mudar todos os nomes e sobrenomes de origem indígena. A língua foi perseguida. E só em 1967 o guarani foi reconhecido pela primeira vez como língua oficial”, assinalou Verón.

Ele opinou que apesar do “complexo” de utilizar o guarani em espaços públicos persistir na sociedade paraguaia, nos últimos anos “cresceu o orgulho de falar a própria língua”.

“Rejeitar uma língua é negar uma parte de nós mesmos. O idioma guarani é a quintessência da identidade paraguaia”, afirmou Verón.

“Recuperar os nomes em guarani seria assim uma forma de reafirmar a identidade paraguaia, revalorizar a língua guarani e reivindicar as próprias raízes”, disse Verón.

“Os indígenas têm uma forma particular de identificar os lugares e as pessoas. Buscam uma palavra que lembre as características daquilo ao que se refere. Os nomes têm uma filosofia por trás que pretendemos resgatar”, explicou.

Palavras como Aramí, que significa “pedaço de céu”, Amambay, que quer dizer samambaia, Ysaty, que se refere ao orvalho ou Kuarahy, que significa “sol”, são alguns dos nomes em guarani mais comuns no Paraguai, segundo Verón.

A Secretaria de Políticas Linguísticas trabalha agora de maneira conjunta com o registro Civil do Paraguai para elaborar um lista dos nomes mais frequentes para ambos os sexos, e oferecê-lo como material de consulta para os pais.

Com este material se pretende promover o uso do guarani já desde o berço, mas também afastar as possíveis dúvidas dos encarregados da administração. EFE

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